Certamente não passa nem perto, e nem longe, da cabeça de Trump o viés ambiental, mas o fato é que a escalada da guerra tarifária no comércio internacional pode ser benéfica para o meio ambiente. Enquanto a guerra não evoluir do campo das tarifas para o campo de batalha, o planeta tem a chance de dar uma respirada, com uma possível redução nas emissões globais de gases do efeito estufa (GEE). Sem saber, Trump antecipa o inevitável: mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal, o comércio mundial terá que ser reduzido.
O setor de transportes responde por aproximadamente um quarto das emissões totais globais de gases do efeito estufa atualmente. Isso inclui todos os tipos de transporte, como o de passageiros, por exemplo, o que mais gera emissões. O setor de transportes de cargas, especificamente, responde por aproximadamente 8% do total, ou 11% se forem consideradas as emissões de portos e armazéns, de acordo com o MIT Climate Portal. Não é pouco, o que nos permite imaginar o quanto uma redução no comércio internacional poderia impactar nas emissões globais de GEE.
Mas não para por aí. Dificuldades impostas por tarifas também podem contribuir para uma redução na produção e consumo de mercadorias, especialmente aquelas não essenciais, dado o aumento do seu custo para o consumidor. Essa redução também teria grande potencial de influenciar nas emissões globais de GEE, além do potencial de influenciar em outras categorias de impacto. Basta termos em mente que tudo o que consumimos gera impacto ambiental: todo o produto, do mais simples ao mais complexo, tem um ciclo de vida que acarreta impactos desde a sua extração até a sua disposição final. E um aumento no custo de produtos importados pode significar um freio na produção, atenuando um pouco, ainda que forçadamente, o consumismo característico de nossa sociedade.
Muito mal comparando, as loucuras de Donald Trump aproximam o mundo dos conceitos do Transition Movement. Fundado pelo professor de permacultura Rob Hopkins em 2005, inicialmente como Transition Towns, o movimento questiona o atual modelo econômico e propõe caminhos alternativos em resposta ao pico do petróleo e às mudanças climáticas. As soluções propostas para o enfrentamento da crise climática e da crise do petróleo baseiam-se em um conceito central que Hopkins chama de relocalização, que significa pensar sobre produção, distribuição e consumo locais, libertando as comunidades de serem excessivamente dependentes da economia global. De acordo com Hopkins, no livro The Transition Handbook. From oil dependency to local resilience, de 2008, a transição pode ser alcançada “reconstruindo a agricultura local e a produção de alimentos, localizando a produção de energia, não desperdiçando pessoas, repensando os cuidados de saúde, redescobrindo materiais de construção locais no contexto da construção de energia zero, repensando como gerimos os resíduos”. Nada disso, obviamente, passa pela cabeça de Donald Trump. O ponto de convergência aqui é a diminuição da circulação de mercadorias pelo globo: do lado de Trump, um efeito colateral, ao menos inicial, das taxações promovidas por seu governo, visando, entre outras coisas, fomentar o aumento da produção industrial dentro dos EUA; do lado do Transition Movement e de outras abordagens semelhantes, uma proposta para promover a resiliência de comunidades locais e reduzir as emissões globais, conduzindo o planeta a um patamar mais sustentável.
Conforme defendido no início do texto, o fato é que a produção e a circulação de mercadorias terão que ser, inevitavelmente, reduzidas globalmente, pensamento esse defendido por abordagens como o decrescimento. Nas palavras de Antonio Turiel, um dos pensadores dessa corrente, “o decrescimento é inevitável. Simplesmente teremos que decidir se o fazemos por bem ou por mal”. O decrescimento é baseado na ideia de que o crescimento econômico ilimitado não pode ser mais entendido como progresso, dado o grau de degradação ambiental do planeta provocado por essa visão, e uma abordagem que enfrente esse modelo de acumulação torna-se necessária. Evidentemente, uma redução no consumo global deve atingir a parcela mais abastada da população, aquela com estilos de vida mais esbanjadores. Enquanto isso, deve possibilitar que populações mais desfavorecidas tenham acesso às condições materiais mínimas para uma vida digna. Bem diferente, diga-se de passagem, da ideologia trumpista…
Ainda que as confusões causadas pelas novas políticas tarifárias dos EUA não tenham esse objetivo, quem sabe começam a preparar a humanidade para a nova realidade que se aproxima? De uma necessária reorganização político-econômica baseada na redução do consumo em geral, e em particular do consumo supérfluo, e na redução da circulação de mercadorias. Realidade essa que virá, queiramos ou não.
Eduardo Baldauf é arquiteto e mestre em Sustentabilidade e Gestão de Riscos.
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Foto da Capa: Gerada por IA.