Ainda estou sob os efeitos do jet leg, com os olhos vermelhos, um cansaço no corpo de viajar mais de 24 horas entre o meu destino na Europa (Paris) e Porto Alegre, no Brasil. Durante o trajeto li uma matéria da Joice Berth, do dia 12 de julho de 2023, no Nós, que não sai da minha cabeça.
A matéria de Joice trata dos casos de Gal Costa e de Preta Gil amplamente abordados nas redes sociais e na imprensa no mês de julho no Brasil. Gal, a mulher libertária e revolucionária, teria sofrido com um relacionamento abusivo em seu final de vida. E Preta, nossa querida Preta, ousada, poderosa, está passando por uma separação onde os sinais de abuso emocional também foram ignorados.
Volto para o meu cotidiano e para a minha vida e olhos para eles com um olhar de amor e entendimento, pois eu mesma – poderosa, forte, ousada, corajosa – já sofri com diversos relacionamentos abusivos ignorando os sinais, e inclusive brigando com quem buscava me mostrar que as relações que eu vivia não eram saudáveis e honestas.
Desinformação? Não…, mas outros mecanismos mais subjetivos e difíceis de identificar, não racionais, que fazem mulheres poderosas serem drenadas na sua força pessoal, como uma estrutura do patriarcado tentando nos colocar no lugar que ele deseja: a submissão e a fragilidade.
Um dos pontos mais marcantes de minhas visitas artísticas em Paris foi no Museu de Rodin, que me reportou a 1987, desde que assisti o filme “Camile Claudel”, que retrata a história da grande mulher artista que tem suas obras assinadas pelo amante e mestre e que, literalmente, enlouquece por amor, vivendo até o final de sua vida em um asilo psiquiátrico em Paris.
E isso me remete também a Frida Khalo, outra mulher artista genial que vive um relacionamento de dependência emocional com Diego Rivera em sua vida em tortura de dores e saúde frágil, achatada pela moral patriarcal.
Olho para a história, para os casos de 2023, olho para mim e olho para outras mulheres e vejo os mesmos mecanismos até hoje em sistemática e eterna reprodução mesmo em uma sociedade pós digital e a caminho da inteligência artificial.
Joice Berth coloca em sua matéria pontos muito importantes e eu acrescento mais alguns:
– A fragilidade feminina é um estereótipo minunciosamente construído e usado ao longo da história como característica feminina. A fragilidade faz parte do ser humano. Mas o patriarcado nos faz acreditar que somos o sexo frágil e que precisamos de alguém externo que nos cuide e nos acompanhe ao longo da vida. É uma construção simbólica e não material.
– Empoderamento pensado como conceito e prática por Paulo Freire refere-se à conscientização profunda sobre a sua real situação social, de gênero e classe. Você, mulher, não é empoderada por trabalhar, cuidar dos filhos sozinha, fazer sexo casual, ou colocar um app de monitoramento no celular de seu parceiro ou fazer foto pelada nas redes. Empoderamento não é engolir sinais que apontam os desvios de caráter de outras mulheres ou forjar a imagem de força pessoal. Empoderamento é você ter consciência que o sistema estruturado para que nós mulheres acreditemos que não podemos construir outros caminhos.
– Oprimidos podem ser opressores e vemos isto todos os dias nas críticas femininas ao comportamento de outras mulheres, e nos padrões impostos de como viver nossas vidas;
– Não adianta olhar as notícias na internet e desvalidar Preta ou Gal, Shakira, Anita, sua amiga ou qualquer outra mulher. Isto não é empoderamento feminino.
Devemos fazer o que, então? Nos preparar e aprender a ler os sinais. Os sinais de abuso, de manipulação, de dependência emocional.
“Primeiro apaixone-se por você. E depois você poderá se apaixonar por qualquer coisa ou pessoa”, disse Frida Khalo após uma vida de sofrimento.
Hoje olho para trás na minha vida e percebo que muitas vezes pensei que estava apaixonada e amando alguém, pois assim eu seria feliz, inteira, completa, segura.
Mas relacionamentos amorosos são jornadas. Tem duração com início, meio e fim. Nem que seja para uma nova jornada mais evoluída com a mesma pessoa. Não ignore os sinais, mulher.
Você não é frágil como te fazem acreditar. Existe um mundo de vivências, amores, dores e flores. E só você pode descobrir.
Meu amor a Gal e a Preta.
Foto da Capa: Gal Costa – Reprodução do Youtube