Anunciada como mais um passo no combate ao feminicídio, Lula assinou uma lei que aumenta a pena mínima deste crime de 12 para 20 anos. A notícia tem ares de proteção às mulheres. Mas será mesmo? Será que os ativos e potenciais agressores, esses homens perdidos para o machismo – e para o racismo estrutural –, realmente conseguirão deixar de cometer esses crimes, assim, na base do fazer cálculo? Tenho cá minhas dúvidas…
Imagino que esta medida não deva estar sendo tomada ingenuamente como uma panaceia para o problema. Ainda assim, o anúncio, com certo tom jubilatório, só revela o quanto somos uma sociedade punitivista, que parece realmente desacreditar na educação como libertadora e transformadora. O punitivismo, primo pudico do fascismo, nos fascina a ponto de cairmos facilmente neste tipo de engodo.
Desse modo, às vezes sem nos darmos conta, estamos defendendo ainda mais a falência de uma parcela muito grande da população: a negra. Somos um país que vive exaltando a construção de presídios, muitas vezes, justamente, pensando em mais direitos humanos para a população carcerária. Falta consciência política (não por falta de estudos disponíveis sobre o assunto) sobre como está composta essa população e quais as vicissitudes que a conduzem e mantêm na criminalidade. O abismo ao qual chamamos desigualdade social isola o mundo branco do mundo negro, mas os tecnocratas brancos de plantão tentarão suprimir a raça própria em uma neutralidade criminosa. O “isentão” tem a tez mais alva, mas raras vezes será o alvo das políticas punitivistas. Não por cometer menos crimes, mas por ter garantida certa invisibilidade sistêmica.
Presídios novos, então, são equipamentos que servem para o projeto de encarceramento em massa de pessoas negras, sobretudo homens – ainda que, percentualmente, o número de mulheres encarceradas esteja aumentando. Afirmo isso com base em leituras e acompanhamento dos trabalhos de Juliana Borges, pesquisadora dedicada ao tema. Além disso, somos o mesmo país em que os espaços de poder político e institucional, em todas as áreas, estão solidamente destinados às pessoas brancas, por alianças conscientes e inconscientes, muito bem nomeadas pela psicóloga Cida Bento como “pacto narcísico da branquitude”. Um pacto que também pode se mascarar de enfrentamento ao racismo, em uma movência sub-reptícia e conveniente para resultar na não-cessão de nenhum milímetro de privilégio.
Estudos feministas negros me ensinam que é impossível pensar emancipação e luta antirracista sem pensar na categoria chamada interseccionalidade. Pensar que todo o agressor de mulheres está nas mesmas condições de opressão é ingênuo ou mesmo hipócrita. Aqui, não se trata de fazer a defesa daquele que desfere o golpe físico ou que oprime psicologicamente, mas lembrar que ele é a ponta de uma lança que começa no discurso político de um Bolsonaro, de um pastor Silas Malafaia e de tantas mulheres, notadamente brancas que não-racializadas, mas vestidas de incolor, que perpetuam um culto à submissão feminina.
Foto da Capa: Wilson Dias / Agência Brasil
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