Quem nunca passou uma noite em claro, esperando que o dia não demorasse a chegar, só para acabar com a agonia de não conseguir manter os olhos fechados? E, nesse desespero, se revirou na cama cravada de espinhos imaginários, procurando uma posição mais cômoda para não sentir a lentidão das horas? Quando isso acontece, um turbilhão de pensamentos invade nossa mente, às vezes tornando a situação ainda mais insuportável do que ela parece. Ou serão justamente esses pensamentos que não nos deixam pregar os olhos?
Uma conta para pagar, para a qual não temos dinheiro suficiente. Um novo desafio no emprego. Uma apresentação de trabalho na escola. A espera pelo resultado de um exame. Uma palavra que deveria ter sido dita hoje e ficou para amanhã. Uma decisão que precisa ser tomada o quanto antes. Uma série de incertezas deságua no meio da madrugada, quando não temos como resolvê-las — e, por isso, elas vão remoendo dentro de nós, destruindo qualquer vestígio de força que ainda nos resta.
Ultimamente, tenho sofrido de insônia. E, quando não recorro aos remédios para dormir, o sofrimento se intensifica por horas a fio. Não encontro a solução para nada, e a angústia aumenta enquanto os minutos avançam no relógio. Como na música Piloto Automático, da banda Supercombo: “meus travesseiros pesam uma tonelada”. As consequências dessa noite mal dormida se refletem no dia seguinte, com dores no corpo, sintomas de doenças que não existem e falta de interesse por qualquer coisa capaz de mudar a realidade que me incomoda.
As causas? Um diagnóstico de depressão acompanhado de Síndrome de Burnout e transtorno de ansiedade generalizada, seguidos de uma apneia do sono que eu já deveria ter tratado — mas, por causa do diagnóstico anterior, não consegui terminar os exames.
Também me apavoram o medo de não conseguir voltar ao trabalho depois da minha licença-saúde, a resistência em buscar forças para continuar a desempenhar uma função que já exerço há quase trinta anos, diante de tantas mudanças, cobranças e do assassinato de reputações facilitado pelas redes sociais.
A noite é companheira dos sofredores que aguardam o amanhecer para recomeçar. Mas, às vezes, esse recomeço é muito mais difícil do que parece. Ele se esconde atrás das eventualidades da vida, dos percalços e das pedras intrusas que se espalham pelo caminho — como no poema de Drummond. Quem padece de ansiedade generalizada nem sempre alimenta a ilusão de que o amanhã será melhor do que o hoje ou o ontem. Quem luta contra esse mal, às vezes, precisa nem pensar no futuro, não fazer muitos planos, para não sofrer por antecipação. Precisa buscar formas de vencer a noite, enquanto o sono e a exaustão impedem de levantar e realizar uma atividade produtiva, e a insônia não permite descansar.
Em dias — ou melhor, madrugadas — assim, eu leio. Às vezes, sou capaz de devorar livros inteiros, buscando ocupar a mente com assuntos que me tirem da realidade, com vidas diferentes da minha, com problemas distantes dos meus. Quase sempre, encontro nas palavras lidas a inspiração para continuar. A leitura anda lado a lado comigo nos momentos tortuosos, trazendo leveza para enfrentar as dificuldades.
Em uma dessas batalhas silenciosas que travo comigo mesma, busquei refúgio na estante e encontrei Noite Ilustrada, o livro de poemas de Thedy Corrêa. Foi como empunhar uma arma delicada contra os meus fantasmas. Sou fã da banda Nenhum de Nós desde a adolescência — as letras do Thedy sempre me tocaram de um jeito especial. Mas seu lado escritor eu só descobri há poucos anos, quando outro livro seu caiu em minhas mãos (mas essa é uma história para outro momento). Acompanho também seus textos no Substack, todos muito bem escritos. Ainda assim, confesso: os poemas de Noite Ilustrada encaixaram-se como uma luva no que venho enfrentando. Como se, em cada verso, houvesse uma fresta de compreensão, um abrigo sutil para minha insônia.
Em Noite Ilustrada, Thedy conversa consigo mesmo nas suas noites de insônia. Alguns poemas contam histórias; em outros, o eu-lírico briga com a falta de sono ou com os empecilhos de quem tenta dormir e não consegue — como um passarinho cantando, passos na calçada, conversas de estranhos. Noite Ilustrada é um inventário de causas para os que sofrem de insônia: a ansiedade pelo futuro, a reflexão sobre o passado, as dúvidas do presente. E o vocalista de uma banda de rock gaúcho fala de tudo isso com maestria.
Assim como, em outras épocas, as letras do Nenhum de Nós me acalentaram nas noites de insônia, o livro de Thedy me acalmou em uma de minhas noites contemporâneas. A partir de sua leitura, voltei à poesia — não só como degustadora, mas também como escritora. Meus poemas não chegam aos pés das letras e dos versos de Thedy Corrêa, mas, com certeza, foram um bálsamo para dominar as angústias que me assombram.
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