Ainda no curso de psicologia, certa vez escutei em aula um professor de genética debochando de uma psicanalista. O risível, para ele, era o dito dela sobre a existência de três grandes coisas: a ciência, a filosofia e a psicanálise.
Aquele senhor não sabia o poder de propaganda que tinha, pelo menos para mim. Já andava às voltas com a leitura da obra freudiana, então, em vez de ser dissuadida, me interessei ainda mais por saber sobre essa coisa tão grande quanto ciência e filosofia. Mal sabia que um dia me daria conta de que nenhuma das três é tão enorme assim. Ainda bem! E, ao menos no que tange à psicanálise, parece que aí mesmo está o seu mérito. Como já dizia o doutor vienês, a psicanálise não é uma cosmovisão. Em todo caso, será que o geneticista faria chacota se um “psicanalisto” dissesse o mesmo? Queria ver…
Por falar em visão, seja qual for o campo de conhecimento, acredito que nossas lentes têm limites e, além disso, muitas vezes estão sujas e desajustadas. Lentes – ou amplificadores, quando de escuta se trata – têm defasagens e distorções que não são inocentes e, por isso, conduzem aos menos intencionados equívocos. Nossos apegos às miopias e à surdez podem derivar em preconceito, ao não permitir situar nossas práticas no encontro com a época em que vivemos.
Recentemente, propus um grupo de estudos com o título Ensaio, luto, melancolias e outras lutas. É uma proposta ousada, admito, já que procura transversalizar o campo da psicanálise pelos desafios de nossa época, procurando ir além dos limites psicopatológicos, mas recuperando suas potências esquecidas. Assim, o encontro com o ensaio é mais do que objeto e objetivo estético, mas elaborações e lutas.
Há que se ensaiar lutas mais ajustadas à nossa época. Por isso, ler mulheres, dessas que sonham com coisas grandes, é fundamental. A filosofia e a ciência anseiam por respostas, enquanto nós, mulheres, somos matéria incômoda, desassossegada e repleta de perguntas. O ensaio e a psicanálise vivem e crescem nas perguntas.
Fizemos e fazemos a ciência com o nosso corpo, nossos sintomas enigmáticos, escrevendo perguntas com as nossas dores, mas também somos amigas do papel. Ensaiar nossas lutas é refrescar e reescrever nossos corpos.
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Foto da Capa: Montagem