As colaborações premiadas voltam a ganhar os holofotes em todas as mídias e passam a ser motivo de muita atenção para a população, para aqueles que podem ser delatados e também para as instituições nas quais elas ocorrem ou tramitam, em especial a Polícia, Ministério Público, Juízes e Tribunais.
E não é para menos, no dia 09 de setembro o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação realizada pelo ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Sabe-se lá o que poderá acontecer com as provas que vierem à tona.
Para piorar, há divergência jurídica sobre o entendimento da legislação aplicável, e o atual Procurador-geral da República, Sr. Antônio Augusto Brandão de Aras (PGR), já manifestou publicamente a sua contrariedade à realização de acordos de colaboração celebrados pela Polícia Federal, como foi o caso acima.
Mesmo olhando julgados do STF não fica fácil ter certeza sobre qual será a posição definitiva sobre a matéria, pois em que pese o STF, em 2018, ao julgar uma ação de inconstitucionalidade, que versava sobre artigos que dispõem sobre as delações, por 10×1, tenha entendido que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração durante o inquérito policial, em 2021, anulou o acordo de colaboração premiada celebrado entre o ex-governador Sergio Cabral e a Polícia Federal, por entender que o acordo deveria ter sido submetido à anuência do Ministério Público (MP). Como se vê, não é muito fácil ter previsibilidade jurídica no Brasil.
Desse modo, alertando que a interpretação dos artigos pode levar a conclusões diferentes, passo agora a elencar o que diz a Lei 12.850/2013 que determina as regras aplicáveis aos acordos de colaboração premiada.
O acordo de colaboração premiada nada mais é do que um negócio jurídico processual que visa a obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse público.
Com o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração, têm-se o início das negociações e se constitui o marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial. Essa proposta de acordo de colaboração premiada poderá ser sumariamente indeferida, com a devida justificativa, cientificando-se o interessado.
Se não ocorrer o indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de Confidencialidade para prosseguimento das tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa causa.
O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de Confidencialidade não implica, por si só, a suspensão da investigação, ressalvado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas pela legislação processual civil em vigor.
Se houver necessidade de identificação ou complementação do objeto do acordo de colaboração premiada, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público, ele poderá ser precedido de instrução processual.
Os termos de recebimento de proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e assinados por ele, pelo colaborador e pelo advogado ou defensor público com poderes específicos.
Se o acordo não for celebrado por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade.
Não pode ser realizada nenhuma tratativa sobre colaboração premiada sem a presença de advogado constituído ou defensor público.
O colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados, e incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração.
O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, considerando a relevância da colaboração premiada, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial.
Quando a colaboração ocorrer depois da sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
E agora observem o que diz a lei:
“ O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
Para mim está mais do que claro que a polícia pode sim formalizar o acordo de colaboração, desde que haja manifestação do Ministério Público. Aliás, a ausência dessa manifestação pode ser extremamente desvantajosa para o colaborador, pois o autor da ação penal contra o colaborador é o Ministério Público. Depois, pode ser bem complicado ou difícil exigir que o MP cumpra um acordo que ele não concordou.
O termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação serão remetidos para o juiz que deverá ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:
I – regularidade e legalidade;
II – adequação dos benefícios pactuados, salientando-se que serão nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena; as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei de Execução Penal, e os requisitos de progressão de regime.
III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos;
IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.
O juiz ou o tribunal competente deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, antes de conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo prever o não oferecimento da denúncia ou já tiver sido proferida sentença.
Se a proposta não estiver de acordo com os requisitos legais, o juiz poderá recusar sua homologação, e ela será devolvida para que as partes realizem as adequações necessárias.
De acordo com a lei, homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.
Existe a possibilidade de as partes retratarem-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.
Muito importante, em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou.
A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia, e ainda que o colaborador seja beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, ele poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.
As tratativas e os atos de colaboração deverão ser registrados pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador.
O colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio, nos depoimentos que prestar, e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
Nos atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá sempre estar assistido por defensor.
Muito pertinente a regra a seguir: nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador:
I – medidas cautelares reais ou pessoais
II – recebimento de denúncia ou queixa-crime
III – sentença condenatória.
Se houver alguma omissão dolosa (intencional) sobre os fatos narrados, o acordo homologado poderá ser rescindido.
Obviamente, o acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração. Se a conduta ilícita persistir o acordo pode ser rescindido.
Ao colaborador são garantidos os direitos de:
I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI – cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
Veja-se, em negrito, que no artigo da lei que determina que o acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito, novamente está clara a legitimidade da polícia para celebrar acordos de colaboração, pois ele menciona que o acordo deverá conter:
“I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.”
Haverá sigilo da distribuição do pedido de homologação do acordo e ele conterá apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. As informações necessárias e pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Somente o juiz, o Ministério Público e o delegado de polícia terão acesso aos autos. Isso ocorre para garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
E fundamental, o acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime. O magistrado não poderá decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.
Espero que esse artigo tenha lhe ajudado um pouco a compreender o que diz a lei a respeito das colaborações premiadas. Destaco, no entanto, que a interpretação dos tribunais a respeito da legislação aplicável ainda pode trazer significativas mudanças na sua aplicação.
Foto da Capa: Antônio Cruz / Agência Brasil