“Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência”. Definiu poeticamente Guimarães Rosa sobre a solidão da existência de tudo que vive. Sem a poesia entretanto, solidão é diferente. A palavra por si só já é doída, pelo menos assim me soa. Solidão é algo como um soco na boca do estômago, só de falar provoca náuseas. Solistência dista sutilmente de solidão pela alteração na grafia, mas seguem sendo gêmeas não siamesas em significado. Porém, entre estas duas palavras há um espaço onde mora despretensiosamente a solitude.
A solitude é leve, é gostosa até de vocalizar. Sai da boca como um sopro, depois daquele suspiro profundo que nos faz lembrar que respiramos. O filósofo Paul Tillich utilizou a expressão várias vezes para se referir ao prazer que podemos experimentar ao estarmos sozinhos. Na solitude, conseguimos entrar em contato com nosso mundo interno, colocar os pensamentos em ordem e observar o significado das nossas emoções. Caso assim não seja, ouça Sartre: “Se você sente solidão enquanto a sós, está em má companhia”.
Um dia destes, conversando com uma amiga, nos divertimos muito ao lembrar de como adorávamos estar rodeadas de gente e hoje já não mais. Não me venha dizer que é “coisa da idade”. É antes maturidade.
Solitude e maturidade normalmente andam de mãos dadas. É quando por fim temos o entendimento de que solitude é sopro e solidão é soco. A maturidade nos torna mais seletivos, mais exigentes em relação às pessoas que queremos por perto e quando, ou se, verdadeiramente queremos alguém por perto. Esta escolha é tão somente nossa, mas requer treino e disciplina. Digo isto porque nós, especialmente nós mulheres, fomos de certa forma instruídas a cuidar de tudo e de todos, a estar sempre presentes e disponíveis. Culturalmente nos fizeram acreditar que ser necessária é importante, e uma vez sendo sempre necessárias, especialmente na dinâmica familiar, nos falta o tempo de solitude. É vital desconstruir a ideia de que ao desejar ficar em nossa própria companhia estamos sendo egoístas.
Se ainda não o faz, experimente. A sensação de paz advinda destas pausas é comparável com o barulhinho gostoso que faz a água ao passar tranquila pelas pedrinhas de um pequeno riacho. Aos poucos a intensidade desta sensação vai aumentando. Assim como acontece com o rio, que encontra o caminho naturalmente criado pela natureza, acabamos por mergulhar em nosso oceano pessoal e por fim descobrimos o quão rico é o que levamos dentro de nós.
Foto da Capa: Acervo da Autora