Passar um tempo numa casa de praia, de campo, de familiares ou de amigos, muitas vezes, possibilita vivenciar outras formas de ser e estar no mundo. Ficamos com uma sensação prazerosa ao “pegar outros ares”, estando em espaços diversos do costumeiro. As casas, diferente dos apartamentos, têm o encanto de ter um “dentro” e um “fora”, num mesmo espaço a ser habitado. Os pátios são a parte de “fora”. São aqueles lugares em que se pode transitar, passando por um limite, por uma borda.
Isto também acontece nos espaços públicos, parques e recantos da cidade, onde a natureza e as convivências nos acolhem. Em Porto Alegre, no dia 31/06/24, foi realizada na Praça Mafalda Veríssimo uma manifestação promovida por movimentos comunitários e moradores do bairro Petrópolis. Nesse evento, foi lançado o Manifesto de Contrariedade à Adoção dessa praça. A adoção é pretendida pela empresa incorporadora que derrubou um centenário guapuruvu, a poucos metros dali.
O infeliz episódio do corte da árvore, além de ser uma tragédia em si, acendeu vários sinais de alerta. É preciso questionar as tentativas de quem causou danos à natureza, ao querer “limpar sua barra”, minimizando a complexidade das questões que envolvem a preservação do meio ambiente.
O que implica adotar uma praça para a iniciativa privada? Na divulgação deste programa de parcerias com a nossa prefeitura é mencionado garantir a limpeza e as condições de uso. Também é referido o termo responsabilidade ambiental, algo que ainda precisa ser melhor discutido e explicitado. No caso em questão, a praça já foi adotada pela comunidade, que faz bem mais do que apenas conservar.
Com o passar do tempo, praças, parques ou espaços públicos vão estabelecendo uma estreita relação com seus frequentadores e com a natureza existente no lugar. Essa relação tem dinâmica própria, que não pode ser traduzida nas maquetes que projetaram estes lugares.
Em entrevista concedida para um canal de comunicação, Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociência da UFRGS, nos faz entender que a natureza é uma incansável arquiteta de paisagens, mostrando suas melhores possibilidades de interação. Ela vai se moldando, conforme o uso e a relação que o ser humano estabelece com esses lugares. É uma constante adaptação da fauna e flora aos espaços e recursos naturais de cada lugar. Por isso, é necessário conhecer e respeitar as paisagens naturais.
Os parques e áreas verdes das cidades são uma espécie de espaço do “fora”, podendo ser aqueles lugares em que se sai do privado e do individual para experimentar o que é público e coletivo. São espaços que podem possibilitar a convivência com a diversidade e com outros modos de ser. É como “sair da bolha” e dos limites do trivial e, atualmente, do virtual.
Esses lugares que têm um papel fundamental na promoção de saúde física e mental da população de todas as idades e de todos os poderes aquisitivos. Encontramos estudos acadêmicos que referem a importância dos espaços públicos, enquanto palcos que possibilitam que as expressões culturais, advindas dos encontros dos jovens, possam acontecer. A sociabilidade é construída nas relações cotidianas e no caso da juventude, ela depende de espaços apropriados para isso. Eles permitem que as necessidades de interação dos jovens com seus pares sejam satisfeitas, até como uma alternativa aos espaços virtuais.
Em sua tese de doutorado, Victor Hugo Nedel, 2020, argumenta: “… as vivências sociais de maior parte da população brasileira se dão em espaços urbanos. A cidade tornou-se, então, espaço e cenário da sociabilidade moderna juvenil Alguns espaços na cidade de Porto Alegre são de convergência dos jovens, como, por exemplo, o Parque Farroupilha, o Barra Shopping Sul e a Orla do Gasômetro…”
Sou do tempo em que a juventude lotava os arredores do Parque da Redenção nas tarde e noites, principalmente dos finais de semana. Os encontros das mais diversas tribos aconteciam nas calçadas da Av. Osvaldo Aranha, em bares como o Escaler e Luar Luar e no Brique da Redenção. Hoje em dia, ainda faço caminhadas e encontro amigos nesse parque e sou testemunha de que os jovens continuam se encontrando por lá. Presencio e participo de muitas manifestações culturais e artísticas que agradam a todas as idades.
Adotar uma praça ou espaço público, de forma responsável, não é algo simples e não pode se prestar apenas à reparação de danos. Tampouco, o cuidado e a preservação não devem ser trocados pela mercantilização e exploração comercial destes espaços. Não é o consumo que os frequentadores dos espaços públicos costumam buscar. Porto Alegre, assim como tantas cidades brasileiras, precisa adotar com maior consciência e zelo os seus espaços públicos, conhecendo e respeitando a relação que a natureza e as comunidades constroem com eles.
Jussara Kircher Lima é psicóloga. Após se aposentar do serviço público, tem se dedicado à escrita, em especial nos seus principais temas de interesse: literatura, psicologia e políticas públicas. E-mail: jussaraklima@gmail
Foto da Capa: Praça Província de Shiga/ Wikipédia
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