É um livro péssimo – mas muito bom. Com um texto frágil e mal apurado, Waldir Pires – Biografia, de Emiliano José, se salva pela grandeza do personagem. Vereador, deputado, ministro dos governos Jango e Sarney, governador que derrotou o carlismo e candidato a vice-presidente na chapa de Ulysses Guimarães, Waldir Pires foi um dos grandes políticos das últimas décadas. Porém, o livro fica muito a dever ao personagem.
Waldir chegou ao ápice de sua carreira em 1986. Mais de duas décadas depois de ter perdido as eleições para o governo da Bahia, ele voltou a se candidatar ao cargo agora com reais chances de vitória. Seu principal adversário era Antônio Carlos Magalhães, que preferindo se preservar, decidiu permanecer no forte Ministério das Comunicações do Governo Sarney e indicou como candidato o jurista Josaphat Marinho (PFL), apoiado também pelo então governador João Durval. Waldir soube costurar apoios, manteve o PMDB unido e atraiu inimigos de ACM. Assim, viabilizou uma ampla frente, rompendo assim, por breve período, a hegemonia de ACM no Estado. Um dos apoiadores de sua candidatura foi Gilberto Gil.
Porém, uma das histórias que o autor não apura (ou escamoteia) é com relação a este mesmo apoiador e sua fracassada candidatura a prefeito de Gilberto Gil. Era uma época que o cantor baiano enfrentava eleitorados menos dóceis que os da Academia Brasileira de Letras.
A ideia de ser prefeito de Salvador começou a surgir na cabeça de Gil em 1987, ano da posse de Waldir no Palácio e também ano da posse de Gil na Fundação Gregório de Matos, cargo equivalente ao de secretário municipal da Cultura. Animado, o músico então filiou-se ao PMDB, partido de Waldir e do também popularíssimo prefeito Mario Kertész, seu chefe. “Em termos políticos, ele tinha um discurso muito abstrato, viajava na maionese. Em alguns comícios, o pessoal começava a cair fora, a não dar atenção”, disse Kertész em entrevista à Folha de S. Paulo em 2019.
Gil entusiasmou-se com a própria popularidade política. Dizia ser “algo novo, forte e provocativo na política baiana”. Tal provocação tinha certo amparo externo, mas quase nenhum nas entranhas do partido e das lideranças políticas, sem granjear apoio nem dos setores mais jovens, tampouco dos conservadores. Para tentar atrair um eleitorado mais amplo, Gil deixou de lado as batas coloridas e passou a trajar ternos mais discretos. Além disso, manifestou apoiou a duração de cinco anos do mandato do então presidente José Sarney, quando muitos eleitores defendiam que o mandato fosse de quatro anos.
A etapa final da candidatura teria sido um veto vindo do próprio Waldir, que usou de toda sua força político-partidária para indicar um candidato mais palatável e com maiores chances, o radialista Fernando José, que acabou vencendo.
Gil, então sem ambiente para concorrer a um cargo majoritário, optou por concorrer a vereador. Sua candidatura foi lançada no programa de Chico Anysio, que na época havia criado o personagem Zelberto Zel, um candidato que era apoiado pelo amigo Caretano Zeloso. Gil foi consagrado nas urnas com o significativo número de 11.111 votos. Tomou posse, mas não foi um parlamentar dos mais ativos e presentes. Abraçou algumas bandeiras ecológicas e encerrou seu mandato apoiando Brizola e filiando-se ao PV.
Do episódio ficou para a história a negativa de Waldir de que tivesse vetado Gil, uma música de Gil com o título “Pode, Waldir?” (“Pra prefeito, não/Pra prefeito, não/E pra vereador?/Pode, Waldir?”) e um discurso do mesmo Gil em que ele justificava seu insucesso com a clareza de sempre: “É preciso superar as barreiras impostas pelas forças hegemônicas e o pragmatismo que oblitera quem levanta a bandeira da novidade, do arrojo e da transformação”.