Sempre que falo de preconceito e exclusão, a curiosidade natural das crianças, que encontrei e encontro em muitos momentos da minha vida rua afora, salta da memória. Recentemente, li um texto emocionante do escritor mineiro Altair Sousa que sintoniza com o que penso. Reproduzo aqui: “A criança olha para outra criança muito diferente e só enxerga outra criança e a possibilidade de brincarem juntas. Só com o passar do tempo elas vão aprendendo com os adultos a olharem com menos valia para quem não se encaixa em um padrão humano determinado como superior. Não há problema em enxergar as diferenças no/do outro, afinal, ninguém é igual a ninguém. O trágico é quando essas pessoas passam a entender que todo mundo que é muito diferente é uma ameaça, e o perigo mora aí, porque é quando surgem os diferentes tipos de violências contra a diversidade. Na verdade, são pessoas inseguras do que são, por isso, não suportam outro espelho que não seja o que padroniza o que elas precisam ver refletido para não se autossucumbirem”.
Já escrevi sobre a padronização que exclui. Já escrevi sobre o uso preconceituoso de algumas palavras. Já escrevi sobre a discriminação que nos ronda implacavelmente, sobre falta de acessibilidade e inclusão. E o que assusta é que as fórmulas já estão tão entranhadas no inconsciente coletivo das pessoas que poucas se movimentam em busca da abertura de caminhos mais empáticos. E quem sofre com esta inércia e acomodação são as pessoas com deficiência ou com uma diferença marcante, os negros, os grupos LGBTQi+, os indígenas, os ciganos, entre tantos outros. Mas esses seres fora do “ninho da perfeição”, vistos como estranhos e muitas vezes perseguidos ou alvo de piadas infames, são o que são e têm o direito de viver a sua condição livremente. Danem-se os olhares contaminados pelo preconceito! Até porque, como todos sabemos, e já foi dito milhares de vezes, nenhuma pessoa é igual à outra. E as diferenças, como o nanismo, o que é meu caso, estão aí para somar, não para afastar.
E por falar em nanismo, volto rapidamente a um velho assunto. A imprensa ressuscitou na semana passada a expressão “anão diplomático” ao falar sobre o que acontece na Venezuela e o posicionamento de Lula. Há violação dos direitos humanos e não há transparência no governo venezuelano, sim. Mas faltam palavras adequadas nesses comentários jornalísticos. “Anão diplomático” de novo? É uma expressão que mexe muito comigo desde que li/ouvi pela primeira vez. Enfim! Como estamos em tempos de Olimpíadas em Paris, “c’est la vie!”.
Saramago diz que “é preciso sair da ilha para ver a ilha”
O convite que faço, então, é: vamos ficar atentos para não criar certos círculos de confinamento. Nosso sistema de representação precisa ser mais diverso. Vamos sair das nossas ilhas, por mais confortáveis que sejam, para nos vermos e para ver o outro na sua dimensão. Outros olhares, outros mares, outras ilhas, outros portos, outras terras, outras paragens, outras descobertas. Precisamos aceitar nossas “imperfeições”, se é que é isso mesmo, até porque a “perfeição” não existe. É apenas uma meta em busca do melhor de nós naquilo que somos – Humanos! Como diz Gilberto Gil na canção “Meio de Campo”, de 1973, “Prezado amigo Afonsinho / Eu continuo aqui mesmo / Aperfeiçoando o imperfeito / Dando um tempo, dando um jeito / desprezando a perfeição / Que a perfeição é uma meta / Defendida pelo goleiro / Que joga na seleção / e eu não sou Pelé nem nada / se muito for eu sou um Tostão”.
Na verdade, somos seres em evolução. Ou não?
O caminho se conhece é com o pé na estrada, andando, olhando, percebendo, sonhando, sem estereótipos, fora das nossas ilhas. O que importa mesmo é o caráter, a solidariedade, os olhos livres de preconceito, imprescindíveis em qualquer caminhada. Nos dias de hoje, ainda mais! A diversidade agrega e abre janelas, em qualquer situação da vida.
Vamos fortalecer os laços com firmeza, mas sem apertar muito para não engessar.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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