O texto a seguir é uma continuação não cronológica e lógica do texto: “A sombra que não se pula”[1].
Responder pode ser um processo de clivar e excindir algo — desvencilhar-se de um elemento que se tornou negativo (neste caso). A partir desse sentido, responder pode ser “matar” partes de si que, através da evocação pela palavra, lograram ser “elididas” com a parte iluminada-obscurecida pela elucidação.
Pensemos do seguinte modo:
Temos um plano A. Tecemos concepções sobre ele, dizemos do que ele é e qual a sua definição, porém dizemos, na verdade (e sem saber), de um plano B, e, por um erro, qualquer que seja — impaciência, medo, intolerância à frustração, falha na memória — tomamos o plano A por coisa que precisava apenas ser algo.
Isso não o tornou no que ele seria, apenas lhe concedeu uma forma equivocada.
É necessário que estejamos mais na “posição depressiva”[2] (para melhor compreensão do texto, é de extrema relevância ler as notas de rodapé) ao olhar para o outro, pois assim ele surge. É um plano de aceitação e de vinculação que tem por base o respeito e o afeto pelo sujeito que é diferente e desejante.
Responder é um processo de trazer à tona. É um convite à observação, mas só pode ser deste modo se respondemos admitindo que “a coisa (…) não desaparece porque nós demos um nome a ela“[3].
Responder é evocar a esfinge.
Certamente, o seu enigma possui uma resposta. Devemos pensar que responder pode ser errar o alvo. Isso requer paciência e capacidade de fruir a dúvida enquanto silêncio e ausência de símbolos.
Um mapa pode conceder encontro e noção de direção em rota desconhecida; todavia, a passagem do tempo pode, em si mesma, alterar determinadas topografias. Deixar espaço para o novo é dar passagem ao tempo e acolhê-lo, bem como também às suas ações “mutativas”.
Acredito que, nesse espaço, somos (e podemos ser) invadidos por formas de funcionar (posições). Isso pode conceder um modo menos saturado de ver, de guiar-se pelas veredas e um funcionamento dinâmico — que respeita o tempo, o mistério e as novas concepções — que oscila e muda.
Não “há um fim” quando começamos sabendo que iniciar é um processo recorrente — mesmo que isso não diga de um final, ou da possibilidade de um. O final é uma surpresa para aquele que caminha diariamente pelo amor ao movimento e pelo respeito em reconhecer que, após a curva, pode existir outra curva, uma reta, ou nada no qual se possa lidar ou continuar — as suspensões necessárias que fazem emergir o novo; que fazem brotar a vida.
[1] Publicado pela Sler... (25.04.2025)
[2] Conceito abordado aqui apenas como um modo de funcionar onde o outro surge, onde se tem noção do objeto total, logo, de sua representação. Não há espaço neste texto para discorrer sobre os conteúdos gerais concernentes à posição depressiva (ansiedades e defesas) e todas as suas demais implicações. Para isso, ler Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos (1935) e O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos (1940), ambos artigos escritos por Klein e incluídos no vol. I de suas obras completas: Amor, Culpa e Reparação e outros trabalhos (1921-1945), publicada pela Imago. Também aconselho a leitura do artigo Algumas conclusões teóricas relativas à vida emocional do bebê (1952), publicado no vol. III de suas obras completas: Inveja e Gratidão e outros trabalhos (1946-1963), também publicado pela Imago.
[3] Referência a Bion, no livro Bion em Nova York e em São Paulo, Editora Blucher.
Ralf Diego Silva de Souza é psicólogo e professor universitário. Atualmente, é mestrando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e possui especialização em Psicologia Hospitalar pela ESUDA. Dedica-se ao estudo aprofundado de temáticas concernentes à Psicanálise Kleiniana, Marxismo, Teoria Crítica e Escola de Frankfurt. ralfsouzapsi@gmail.com
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