O fim relativo da pandemia acelerou manifestações quanto à necessidade de se investir em Educação em todos os níveis, em especial em nível da Educação Básica. Manifestações fundamentadas indicam que a educação deve ser prioridade, que os resultados dos atuais processos educacionais estão bem aquém do desejado. Novas propostas atualizadas de Diretrizes Curriculares e do retorno da Educação Profissional no Ensino Médio têm levado a maioria dos órgãos próprios dos sistemas públicos a encaminhar instruções e realizar reuniões de esclarecimento para os docentes e as famílias. Reuniões que não envolvem outros profissionais responsáveis pela construção e manutenção das escolas e de infraestruturas que viabilizassem mudanças reais na dinâmica escolar. E, mais sério, não envolvem os estudantes na apresentação de suas necessidades e de visão do espaço escolar que oportunize a construção de novos saberes mais humanos.
É urgente a necessidade de focar o olhar na natureza das mudanças estruturais, que ao longo dos anos vem ocorrendo nos mercados, na evolução da ciência e da tecnologia, nas inovações que têm balançado os status quo de muitos ambientes. Paralelamente, entretanto, a formação dos antigos profissionais continua sem as devidas atualizações, inclusive de reconversão profissional e as atuais formações de profissionais e os correspondentes processos decisórios continuam tão aquém, e cada vez mais, do desejado em agilidade, pertinência e sustentabilidade econômica. Múltiplas manifestações de grupos de jovens consultados apresentaram ter uma visão mais humana, produtiva, inovadora que o espaço escolar deveria lhe apresentar.
Olhando para a maioria das instituições de ensino, percebemos que pararam no tempo, com suas estruturas físicas e seus processos educacionais, com honrosas e múltiplas exceções. Por isso, acreditamos que novas perguntas merecem ser formuladas e respostas, sem maquiagem, precisam ser buscadas, explicitadas e transformadas em ações executáveis, com o devido acompanhamento, avaliação e aprimoramento sistemático.
Cremos necessário olhar, livres de preconceitos, alguns motivos reais das atuais evasões escolares: do processo de ensino; da frágil interação docentes e discentes; da não inclusão nas escolas, das crianças e jovens portadores de deficiências; da depredação das dependências das escolas; da ausência de infraestrutura que atenda a todos. A aridez e pobreza dos espaços de recreação não viabilizam novas aprendizagens, nem o estabelecimento de parceria nas brincadeiras, nem uma convivência construtiva nos momentos de lazer necessários para o bem ao corpo e ao espírito.
Em 2007, na abertura de um novo ciclo do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia – COMCET de Porto Alegre, por crer que outras ferramentas podem desenvolver egressos de nossas escolas com visão mais humana, mais comprometida com o social, mais colaborativa, foi convidada a Escola Municipal Saint Hilaire para apresentar o que as crianças das séries intermediárias do Ensino da época estavam sendo capazes de fazer com o uso da Robótica. Resultado: convênios foram realizados, materiais da Lego foram distribuídos entre as 45 Escola Municipais, para consolidar as aprendizagens supra referidas. Hoje no município estão atuando apenas duas que continuam participando a caro custo de eventos estaduais, nacionais e internacionais, com conquista de prêmios significativos. Outras estão trabalhando apenas com atividades reduzidas.
Diante desse cenário de descontinuidades, de quase paralisação, o Instituto de Transformação Digital (ITD), entre inúmeros projetos educacionais que possui, propôs realizar a Maratona da Escola do Futuro, como uma das alternativas educacionais que pode viabilizar o alcance dos propósitos desejados por muitos. Clique aqui para conferir o artigo publicado aqui na Sler.
A Maratona tem como objetivo proporcionar aos jovens, alunos de escolas predominantemente públicas, o desenvolvimento de habilidades empreendedoras e competências inatas nos jovens, para suprir a grande carência de um mercado de trabalho cada vez mais mutante.
A Maratona envolveu alunos voluntários de duas Escolas Municipais, de uma aceleradora de Jovens Talentos e três turmas de alunos do Ensino Médio do Pão dos Pobres. Eles mapearam problemas e necessidades de suas respectivas escolas ou comunidades próximas. Propuseram soluções, no formato de pré-projetos e comprometeram-se a concretizar o alcance do desejado.
O foco de todos os projetos teve como ênfase o atendimento às necessidades de integrantes do coletivo, que não o dos proponentes, dos excluídos socialmente, com o bem-estar de todos que integram a realidade de suas escolas, diante dos diagnósticos realizados. Três projetos referiram-se a dificuldades de acesso de cadeirantes a salas de aula especiais, aos laboratórios ou à área de recreação, por não estarem no térreo e sim em pisos, superiores ou inferiores, cujo acesso só era permitido por escada ou, em outro caso, adequar uma rampa construída às pressas sem considerar a viabilidade de ser usada por cadeirante, diante da inadequada inclinação e piso escorregadio. Igualmente, outros abordaram o desconforto ao acesso à escola. Os carros de alguns integrantes da própria comunidade escolar estacionam quase em cima do acesso, não deixando espaço para o cadeirante poder superar aquela distância. Relataram, ainda, que os passeios estão todos disformes, causando desconforto físico ou riscos de cadeira trancar e provocar acidente ao cadeirante.
As justificativas apresentadas indicaram que os portadores de deficiências estão gradativamente querendo sair de onde estavam reclusos, por muitos fatores. Desejam sentir-se pertencentes, querem circular, valendo-se de transporte coletivo, frequentarem a escola, viverem em companhia. Entretanto, as estruturas físicas, ou o mobiliário, ou a formação de professores das escolas, ainda não dominam a língua dos sinais, nem o código de Braille. Os que existem são em número insuficientes para o atendimento das demandas. E o tempo passa. Não são matriculados alunos, por não existirem condições para seu atendimento. E a exclusão persiste. Para os jovens que identificaram as tristes lacunas, o foco era não resolverem seus problemas, mas ter um espaço mais acolhedor, mais inclusivo, mais saudável, mais promissor para os que não tinham suas mesmas condições – ver, falar, ouvir, movimentar-se livremente.
O exemplo mais pungente apresentado foi o dos alunos de robótica educacional denominada Construtores SH, da Escola Municipal Saint Hilaire, localizados na lomba do Pinheiro. Escola que há 15 anos continua tendo a robótica como sua ferramenta educacional e social. O projeto, intitulado SH + Acessível, objetivou adaptar espaços da Escola para que as pessoas com dificuldades de locomoção possam acessá-la, tornando a acessibilidade uma realidade no ambiente escolar. O caso referiu-se a uma menina cadeirante do JB que contava com a disponibilidade da mãe, que diariamente a levava à escola. Ela precisa ser auxiliada por alunos para carregar a cadeira de rodas por uma extensa escada, enquanto leva no colo a filha até entrar na sala. Fica com ela a manhã toda, movimentando-a no colo ou colocando-a no chão, junto aos colegas para participar das atividades de roda ou outras atividades escolares. Por não existir um banheiro com um trocador adequado, a criança permanece as quatro horas do turno, com as mesmas fraldas, à semelhança de suas colegas de mesma idade.
O questionamento que o grupo se fez, referia-se à oportunidade real dessa criança ter possibilidade de frequentar a escola nas séries subsequentes até concluir a 9ª série, sendo levada no colo pela mãe. Os alunos se perguntaram: quantas outras crianças nessas condições, estariam sendo privadas de escolaridade regular obrigatória pela Constituição Federal? Quantas outras crianças são privadas de escolaridade ou por não terem uma mãe com a disposição física e de tempo, para passar o turno escolar todo com elas?
Por outro lado, a criança em questão no recreio não podia socializar-se plenamente com seus colegas, ficando apenas em sua cadeira observando-os ou conversando com os que vinham ao seu encontro, pois o espaço destinado ao recreio não possui mobiliários adequados para cadeirantes. As demandas levantadas foram: rampa de acesso ao prédio onde funciona o JB; adaptação da sala de aula com adequação das mesas; adaptação do banheiro; aquisição de brinquedos adaptados para o parquinho, com a indicação inicial de 3 brinquedos adequados; entrada da escola; regularização dos pisos nos passeios; central de multimídia.
Cada demanda foi devidamente orçada, num valor total de 175.000,00. Na defesa do projeto, os proponentes questionaram-se quanto ao montante levantado, se seria elevado e eles mesmos responderam “Qual é o valor da dignidade e do sorriso de uma pessoa?”. Fundamentaram seu posicionamento na fala da Arquiteta Thais Frota: Se o lugar não está pronto para receber TODAS as pessoas, esse lugar é deficiente.
Dando continuidade, os alunos do projeto SH + Acessível, valeram-se de medidas impositivas de alguns vereadores a possibilidade de colocar em prática parte do projeto, pois o valor disponível ainda é insuficiente para realizar todas as obras necessárias, mas por meio de uma articulação da escola com os legisladores conseguiram essa prerrogativa. Já solicitaram a SMED o atendimento, foram autorizados a utilizar o valor de 42 mil reais recebidos para a execução das demandas que poderiam ser cobertas. Estão sendo apoiados com a indicação de empresas da construção civil para concretizar as demais demandas do SH + Acessível, por parceria.
Verbalizaram que era preciso também que os projetos arquitetônicos e os recursos materiais utilizados na construção ou adequação dos espaços da escola sejam feitos com responsabilidade, com visão da vida escolar, usando material adequado, de durabilidade, não apenas pelo custo, mas pela responsabilidade cívica de que, mesmo o cobertor curso financeiro do município ou das mantenedoras, pudesse cobrir a maioria, sem necessidades de novos investimentos. Outros grupos identificaram falta de cultura básica de uso do computador dos seus pares e professores. Propuseram-se a viabilizar esta formação, dispondo-se a exercer docência, o viabilizar pela realização de parcerias com entidades possuidoras desta competência.
Como também integrante do POA Inquieta, considerando as reflexões que ocorrem em vários spins, creio que o questionamento a seguir dê o devido fechamento ao texto. Falamos em participação, inclusão e valorização de habilidades e competências: Não deveriam nossos alunos participar da solução dos problemas de suas Escolas? Têm ou não competências para tal? Acreditamos que, dando oportunidade, eles são capazes de ir atrás! Que o comprovem suas reflexões e proposições no Congresso Popular para cidadania, ocorrido em POA.
*Rita Maria Silvia Carnevale, Me, é Diretora de Projetos Sociais e Educacionais do ITD, articuladora do POA Inquieta