Acordei neste domingo pensando em qual seria o tema da minha coluna semanal, e abrindo o Instagram para me atualizar me deparei com o post do colega Marco Weiss Bliacheris, advogado, Mestre em Ambiente e Sustentabilidade e um ser humano maravilhoso que tenho trocas fantásticas sob o ponto de vista da inclusão, diversidade, racismo e direitos humanos.
Na real era um repost com uma cama, em um quarto cinza e sem condições que me remeteu as memórias que tenho quando visitei campos de concentração em Auschwitz. Acredito que estes monumentos históricos deveriam ser visita obrigatória para cada ser humano que habita o planeta, talvez a sensação de claustrofobia, privação de liberdade, maus tratos e o cheiro da morte conseguisse impactar na alma imoral humana.
Mas voltando ao post e as vinícolas gaúchas com seus sites, com abas de sustentabilidade e apoio a práticas de ESG:
“Spray de pimenta, comida estragada, jornada diária de 15h forçada sob tortura e aprisionamento eram alguns dos expedientes utilizados pelas Vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi para escravizar seus funcionários. Além disto, a venda de alimentos a preços abusivos aos funcionários criava um endividamento e uma dependência financeira que os mantinham forçosamente vinculados aos empregadores. Cerca de 200 pessoas foram resgatadas nestas condições. Cerca de 2000 são resgatados por ano no Brasil em sistema de escravidão moderna. Cerca de 50 milhões de pessoas no mundo vivem sob regime semelhante. As empresas como sempre, alegam que nada sabiam refutando alegações e condenando veementemente a prática. Afinal, tratava-se de terceirizados. É inadmissível que as empresas se escondam atrás de suas cadeias de suprimentos…” Vou parar aqui pois só grita uma palavra na minha cabeça: E o compliance de fornecedores? E as centenas de práticas administrativas e de fiscalização que possuem as grandes empresas?
Vou sair do campo da gestão e do jurídico para ir para outro ponto: sensibilidade humana. Lembro que quando eu era adolescente me coloquei um projeto pessoal “Patitisco” de ler mais de 1000 livros kkk ousada e audaciosa achava que assim teria conhecimento suficiente para não ser enganada por ninguém. Comecei meu projeto com o Diário de Anne Frank e com a leitura entrei no holocausto e sentia as sensações daquela ação abominável humana sobre toda uma comunidade, a judia, e mergulhei sob o olhar de uma menina de 13 anos, assim como eu. Naquela leitura descobri o quanto eu era empática e me transportava para o universo do outro sentindo suas dores e injustiças. Talvez porque se assemelhassem as minhas.
Continuei meu projeto persistente por anos e lia tudo que me caia em mãos. Antes da faculdade eu li o livro Raízes de Alex Haley, e ali eu chorei e senti em cada página a crueldade humana e o relato do holocausto negro nos EUA. Durante noites eu ficava febril e minha mãe pedia para eu parar, mas eu queria descobrir tudo que a humanidade era capaz em nome da supremacia, e das visões culturais que são as desculpas para a escravização humana, inclusive para amenizar sua culpa desconsiderar o outro escravizado não humano.
E aí na faculdade, em uma disciplina, no campus, de literatura hispano americana a professora passou outro título que me marcou: Huasipungo de Jorge Icaza. Considerado um romance modelar do indigenista que teve o claro propósito da denúncia da exploração sofrida pelos descendentes indígenas de Quíchua da serra Andina Equatoriana, em minas de carvão. Ali naquela leitura parece que o sofrimento e empatia só aumentavam e eu não conseguia, como os outros me colar às ideias de desumanização de uns para a humanização de outros.
Voltando às vinícolas, em 2023, em um estado que se diz a melhor parte do país, o pior veio à mostra. A face dura da alma imoral humana regada a espumante brut, demi sec ou moscatel… que por sinal é minha bebida favorita… mas que se eu olhar o rótulo de qualquer uma destas marcas agora, só verei pessoas tomando choque ou gás de pimenta. Tudo bem, eu já precisava de um bom motivo para parar de beber. Mas não precisava ser que as marcas que consumo estão ligadas a escravização humana.
No texto da peça genial, a Alma Imoral, do Rabino Nilton Bonder escolhi uma frase que se aplica a gestão fraudulenta das Vinícolas:
“Aquele que engana a si mesmo é mais perverso do que o que engana os outros.”
O projeto dos mil livros no final deu certo… é muito difícil me enganar com a desculpa de eu não sabia.