Em tempo de Feira do Livro, que chegou exuberante aos 70 anos, é impossível não lembrar do primeiro artigo/01 que escrevi para o Sler, cheia de emoção com o convite que recebi do Luíz Fernando Moraes. E mais, da vontade que tive desde que comecei a trabalhar, conviver com quem produzia aquele evento que animava a Praça da Alfândega com editoras, livreiros e suas bancas e o público na volta, que me encantavam tanto. Um sonho que se realizou por completo. Fiz a assessoria de imprensa da Feira pela Pauta e depois pela Gira, sempre com entusiasmo, alegria e dedicação.
Hoje me pergunto: o que me mobilizava lá atrás e o que me mobiliza hoje? Considerando a minha condição e o significado da escrita na minha vida, a resposta está neste primeiro artigo.
Escrever é um ato de resistência. E foi o que fiz em junho de 2022. Reproduzo o texto aqui com alegria e orgulho, hoje ancorada por uma frase do cineasta Almodóvar, no livro “Último Sonho” (Cia das Letras) – “A realidade precisa ser completada pela ficção para tornar a vida mais fácil”.
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Muitos me perguntam se, a partir do que escrevo, já tive algum retorno do poder público em relação a questões que envolvem acessibilidade e inclusão. Nenhum retorno! Mas escrever sobre os silêncios do cotidiano é resistir. Apontar os clichês, repetidos exaustivamente para justificar o injustificável, é enfrentar a hipocrisia social para não sucumbir. O preconceito carrega um não avassalador. Afronta nossa sensibilidade, inteligência e desejo de acolhimento. Estamos no lugar errado? Somos inferiores? Nossas vidas são indesejadas, tortas, erradas? De um modo geral, os espaços só abrem se a pessoa com deficiência assume um protagonismo e vira exemplo de superação, como se sua existência só tivesse sentido assim. Nada mais.
Quase ninguém vê a singularidade de uma pessoa com deficiência, que transpõe infinitas barreiras físicas e sociais diariamente. Em especial, quando é vista como ser inferior por uma sociedade despreparada, que ergue barreiras quando deveria derrubá-las. O que fazem esses olhares, a não ser nos depreciar? O que entendem por acessibilidade e inclusão? Quem está preocupado com estas questões?
Fora do institucional, muitas organizações refletem sobre isso, mas as frestas do cotidiano, segundo a filósofa Djamila Ribeiro, autora do livro “O que é Lugar de Fala?”, são violentas. Precisamos estar atentos ao que escapa por elas. Qual é o nosso lugar hoje no Brasil quando a Lei de Acessibilidade e Inclusão é questionada? Querem indivíduos perfeitos, eficientes e servis? Não somos regidos pela excelência, pela produção em massa até o esgotamento físico e mental. Não estamos em competição. Reconhecemos nossos limites e vivemos a singularidade que nos constitui.
O cenário não é promissor. A invisibilidade e a discriminação se alastram. Mas não desistiremos de fazer o mundo avançar, ampliando horizontes na convivência com as diferenças. É na diversidade que libertamos o olhar e fazemos ecoar outras vozes. É na diversidade que está a riqueza humana. Não queremos compensação. Não há o que superar. Está tudo certo com os meus 1m10cm, minhas pernas curtas, meus braços pequenos e meus dedos gordinhos. Não subestimem as diferenças com risos debochados, dedos apontando, toques desrespeitosos, perguntas infames, imitações ridículas. Queremos que nos deixem passar!
Porto Alegre, 24 de junho de 2022.
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Agora, falando da atualidade, pouca coisa mudou. Mas escrever me ancora, assim como ler os textos dos meus parceiros e parceiras aqui na Sler e estar em contato com a produção de livros e com autores que me ensinam e abrem muitos caminhos.
Todos os textos de Lelei Teixeira estão AQUI.
Foto da Capa: Reprodução do Instagram