Recentemente, li a obra E fomos ser gauche na vida, da jornalista Lelei Teixeira. Desde o seu lançamento em 2020, eu desejava ler este livro que chegou até mim de forma inusitada, através de uma ideia de troca de livros na escola onde trabalho. O projeto “Toma lá, dá cá literário”, criado por mim, consiste em colocar em uma caixa livros significativos para os seus proprietários. A troca se dá através de empréstimos, já que a ideia é compartilhar leituras importantes e não apenas desapegar de livros. Tamanha foi a minha alegria quando vi na caixa o livro da Lelei, ofertado por uma professora nascida em São Francisco de Paula, cidade onde a autora passou parte de sua vida.
A obra, publicada durante a pandemia, reúne memórias e textos da autora sobre suas experiências pessoais e profissionais, além das adversidades enfrentadas por ela e sua irmã, Marlene Teixeira, ambas com nanismo, ao tentarem mostrar suas habilidades em um mundo preconceituoso e discriminatório. Lelei relata a aceitação da família e a importância da rede de apoio criada por familiares e amigos que as incentivaram em suas grandes conquistas. E não foram poucos os sucessos alcançados pelas duas irmãs. Marlene atuou na área de Linguagem, tornando-se professora universitária, enquanto Lelei Teixeira se destacou no Jornalismo. Tanto uma quanto a outra assumiram a responsabilidade de “darem certo”, levando à risca o conselho dado pelo médico de que os pais deveriam apostar na inteligência das filhas.
As irmãs Teixeira sempre foram muito bem-sucedidas em suas carreiras, mas nem tudo em suas jornadas foi fácil. Em muitas ocasiões, foram ridicularizadas por sua aparência ou subestimadas em suas capacidades. Essas experiências dolorosas foram descritas com uma franqueza que não deixa espaço para dúvidas sobre a profundidade do impacto emocional que essas situações causaram. Mesmo assim, elas persistiram, desafiando todos os limites impostos pela sociedade.
E fomos ser gauche na vida é um projeto antigo das duas irmãs. O objetivo era refletir sobre a discriminação a partir de pesquisas e estudos que Marlene fazia sobre linguagem, psicanálise e literatura, expondo os desafios cotidianos de pessoas com nanismo. Devido aos compromissos profissionais de ambas, a ideia do livro foi adiada e concretizada por Lelei apenas alguns anos após a morte da irmã.
A primeira iniciativa da jornalista foi criar o blog “Isso não é comum”, onde publicou textos reflexivos sobre deficiência, reflexão e nanismo. “Escrever é uma forma de resistência”, assim Lelei começa um dos textos do livro. Através da escrita, vozes marginalizadas encontram um meio de expressar suas histórias, reivindicar seus direitos e denunciar injustiças. A narrativa escrita permite que experiências pessoais ganhem visibilidade, rompendo o silêncio que muitas vezes cerca questões delicadas e ignoradas. A escrita transforma a dor e a opressão em um chamado à ação, inspirando mudanças e promovendo a conscientização. Para muitos, como a jornalista Lelei Teixeira, escrever é não apenas uma forma de compartilhar suas vivências, mas também um ato de coragem e perseverança, uma maneira de afirmar sua identidade e lutar por um mundo mais justo e inclusivo.
A partir da leitura dos textos de Lelei, eu, que conhecia muito pouco sobre o universo das pessoas com nanismo, pude compreender os obstáculos que elas enfrentam diariamente. Além das barreiras físicas, como a dificuldade de acessar prateleiras altas ou utilizar mobiliário projetado para pessoas de estatura média, elas frequentemente são alvos de olhares curiosos, comentários desrespeitosos e piadas ofensivas. Essa imersão nos relatos de Lelei Teixeira me fez perceber a urgência de aumentar a conscientização sobre o nanismo e outras condições que podem levar ao preconceito. Histórias como a da autora e de sua irmã Marlene, que, por sinal, foi minha professora no curso de Letras da Unisinos, são essenciais para que possamos desenvolver empatia e compreensão, fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Andréia Schefer é escritora, professora, especialista em Literatura Contemporânea e graduanda em Jornalismo. Publicou os romances Para onde vão as borboletas à noite (Edição da autora, 2020) e Nada será como antes (Edição da autora, 2023). Participou de diversas antologias. (@andreiascheferescritora)
Foto da Capa: Lelei Teixeira / Divulgação
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