Em busca de mais atitudes, revisito um artigo que escrevi faz algum tempo
“Se as pessoas pensassem nas crianças nem precisariam pensar em nós, os anões. Por que os trincos das portas precisam ser tão altos? As maçanetas redondas são uma maldade com os anões e com as crianças: para abrir é preciso ter uma mão grande. Ninguém se dá conta disso?”
A voz do anão Umberto no primeiro livro infantil do psicanalista e escritor Mário Corso, “A história mais triste do mundo” (Bolacha Maria Editora), enfatiza, de um jeito muito acolhedor, a realidade de uma pessoa com deficiência ou alguma dificuldade específica. É absurdo, mas ainda dependemos do olhar com atitude do outro. Mais uma prova do quanto incluir não se resolve apenas com leis, tecla que insisto em bater, mas parece que soa no vazio.
Imaginem as perguntas que o anão Umberto faria em um hospital: por que usar aparelho de pressão tão grande em um braço curto? O tamanho, o peso, a dosagem da medicação, o conforto, o que fazer com um adulto em um corpo tão pequeno? Detalhes que poucos lembram e que deixam evidentes a negação ou o desconhecimento das diferenças. As perguntas espantam e quase não temos respostas!
Ouse, então, pedir um banco para alcançar na pia do banheiro de um hotel! Não importa o número de estrelas, o espanto é de quem parece ouvir alguém pedindo uma cadeira com design de especialistas e a resposta quase sempre é: não temos! Mas de repente aparecem com uma caixa de maçã desengonçada ou um engradado de bebidas. Ou, ainda, com uma cadeira de dois braços, que ocupa todo o banheiro. E a situação, apesar de todos os sinais, se repete em instituições financeiras, balcões de atendimento e por aí afora. Já falei várias vezes sobre estas situações constrangedoras e vou seguir falando!
“Certas coisas não estão escritas no manual, fazem parte da consciência crítica de cada um”.
Insisto em escrever sobre isso e estou sempre buscando respostas para questões que envolvem leis, direitos, acessibilidade e inclusão. Volto ao artigo da arquiteta Flavia Boni Licht chamado “Acessibilidade – um fator de inclusão social”, que reli recentemente para participar do Seminário de Ações Afirmativas do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul/CAURS. Nesse artigo, Flavia cita uma frase do arquiteto João Filgueiras Lima que chamou minha atenção: “Certas coisas não estão escritas no manual, fazem parte da consciência crítica de cada um”. É o que penso sobre as leis, as normas, as regras e estatutos criados para colocar ordem na desordem humana. Estão por aí com o objetivo de regular, dar garantias e apontar a preocupação do poder público. Mas o que é feito da consciência crítica?
Fundamental mesmo é a capacidade de se colocar no lugar do outro, agir e mudar a regra, se a situação pede.
De um modo geral, as empresas e instituições, públicas ou privadas, cumprem ordens, sem a preocupação de conhecer e entender o cotidiano de uma pessoa com deficiência. Mas enquanto governos e instituições buscam maneiras de incluir, sem ouvir quem precisa de inclusão, a vida anda e vamos dando um jeito de encarar com dignidade o cotidiano desse mundo “normal”. Tão “normal” e acomodado que não vê na diversidade um jeito de inventar, reinventar, criar, mudar, facilitar e sair dos espaços institucionalizados, se a situação pede. O universo dos diferentes, seja ele qual for, necessita de atitudes que venham acompanhadas de olhares sensíveis, capazes de acolher, ousar e mudar as regras, se necessário.