Uma esperança! Foi essa a sensação que tive ao me deparar com o título do novo livro da escritora gaúcha Vera Ione Molina. Em meio a crises climáticas, escândalos políticos, epidemias, incêndios criminosos e tantos outros dilemas que nos atravessam diariamente, um título assim nos oferece um breve consolo. Está tudo bem! Vai passar! São ideias que nos sugerem um retorno àquela “normalidade” de tempos em que a vida parecia mais fácil. Um passado não tão distante, onde acreditamos que as pessoas eram mais felizes e onde nada nos aterrorizava. Mas essa é a ilusão que criamos em momentos difíceis: a ideia reconfortante de que o passado era melhor do que o presente, quando talvez ele nunca tenha sido tão simples quanto imaginamos.
Já dizia Paulo Freire que é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir!(…). E é isso que a literatura faz: esperança. Quando nos deparamos com fatos inusitados no presente, ela chega não apenas para nos confortar, mas também para nos fazer resistir. A obra de Vera Ione Molina, assim como o pensamento de Paulo Freire, nos impele a abandonar a espera e a abraçar este esperançar capaz de nos mover, de nos convidar a agir.
Está tudo bem!, publicado pela Editora Bestiário e lançado recentemente, reúne narrativas curtas que mesclam ficção e realidade. Utilizando-se dos gêneros conto, crônica e memória, Vera perpassa momentos da história brasileira, alguns deles marcados silenciados ao longo dos anos e que aos poucos vem sendo resgatados por novas e antigas gerações de escritores. Um exemplo disso é o conto “Mais perto de 31 de março”, que diz: “Nos programas de rádio, o Brizola incitava os soldados, os cabos contra o que ele chamava de “gorilas fazendeiros” que não queriam a reforma agrária. Nós não tínhamos medo. Não era como agora, Isabel, agora eu tenho antepassados vivos, tenho descendentes, por isso o medo do que poderá vir com toda essa campanha contínua na mídia e esse ódio que percebemos até dentro das famílias, dos amigos de infância”. Nesse trecho, a autora faz referência a um passado remoto, a luta pelo cumprimento da legalidade, e outro nem tão distante assim, quando a polarização política voltou a dividir o País, gerando dualidade entre os brasileiros.
Também percebemos a leveza da escrita de Vera em textos como “Nascimento de Toquinho em minha vida”, em que divaga sobre o dia em que viu o seu cachorrinho pela primeira vez em uma publicação no Facebook e quis adotá-lo. Ela conta o quanto o animal foi importante na superação de momentos difíceis em sua vida, nos convidando a sentir a alegria e a gratidão que surgem nas pequenas coisas — o olhar de um animal, o toque de uma pata, a simplicidade de um amor despretensioso.
Em outras narrativas, Vera Ione Molina revisita memórias de sua infância em Uruguaiana, compartilhando cenas do cotidiano e pequenas situações que marcaram sua vida no lugar onde cresceu, como o dia em que os moradores presenciaram uma luz forte no céu ou quando o dia virou noite. Lembranças de uma tarde de sábado em um salão de beleza, das histórias contadas pelo avô e até mesmo de um cachorro que se refugiava do calor em uma agência do Banco do Brasil emergem dos pequenos textos deste livro.
A literatura tem a capacidade de nos fazer olhar para o passado e para o presente ao mesmo tempo, ressignificando aquilo que não foi tão bom assim e mudando aquilo que é possível mudar. A partir dela, nos permitimos esperançar por dias melhores e repetir com convicção que tudo ficará bem.
Foto da Capa: Ilustração da capa do livro Está tudo bem!
Os textos de Andréia Schefer estão AQUI.