Este fim de semana soube que o ator Lázaro Ramos passou mal em sua casa em Salvador. Socorrido imediatamente por sua esposa – a talentosa atriz Taís Araújo – Lázaro teria sido afetado pela condição clínica de estafa. Atores negros que gozam a rara condição do chamado sucesso, o casal encabeça vários projetos que os mantêm ocupados, marcando presença constante nos feeds de notícias, na televisão, na publicidade, no cinema etc. Lázaro é ator, diretor (é preciso assistir novamente ao excelente Medida Provisória), apresentador e escritor.
Minhas pequenas pesquisas do perfil do astro mostram que ele está presente também na atual novela global das 18h, além de manter um podcast e programa semanal do Canal Brasil, o Espelho. Certamente, essa não é a integralidade de sua agenda que ainda envolve os filhos de 12 e 8 anos do casal. É provável que a esposa Taís siga na mesma toada de trabalho. Em um país que trata tão mal a 50% de sua população apenas por ser negra, é bastante factível que o sucesso do casal sobrevenha com uma carga estafante de trabalho.
Nessa linha de reflexão, percebo que entrar em estado de férias não é algo óbvio para boa parte das pessoas negras. Há algum tempo venho me percebendo mais treinada nesse quesito. A análise foi fundamental para esse processo, mas também a percepção de que era importante liquidar com esse capitão do mato moderno que nos habita. É bem verdade que querer progredir na vida somado ao desejo de comprar algumas brusinhas impulsa alguma transformação, mas é igualmente válido que os objetos de consumo viram uma versão atualizada do senhor de escravizados. Já foi dito por vários e várias. Pinço um que o disse à sua maneira. Era homem, branco e se chamava Jacques Lacan. Na instrumentalização que ofereceu aos psicanalistas com a sua teoria estrutural dos discursos, falou sobre uma tal variação do discurso do amo que nomeou, justamente, de discurso capitalista. Não por nada, em 1972 também chamou a esse discurso de uma coisa “virulenta”. Sem perceber vamos rendendo esse culto insano ao trabalho. Culto que pode nos trazer alguma realização econômica e social, mas a que preço? Uma pergunta para a negritude manter no bolso.
O Estado com maiúscula, por sua vez, sabe tirar as suas férias. Há Estado de férias quando um governador vende uma companhia elétrica funcional por uma bagatela. Há Estado de férias quando o prefeito de uma cidade assolada por um temporal antes previsto – que já vem castigada por uma especulação imobiliária com pouco ou zero cálculo ambiental – não tem competência para gerir a crise da qual é partícipe, mas solicita à população que doe, empreste instrumentos e trabalho para o restabelecimento da via pública. Enquanto isso, após 6 dias do ocorrido, ainda há muita gente sem luz. Então, é como diz o velho jingle, essa é nossa Porto Alegre. Alguns dias antes, em função dos temporais no Rio de Janeiro, a ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, foi ridicularizada nas redes sociais por trazer o tema do racismo ambiental. A ignorância foi rápida em deslegitimar mais essa mulher negra consciente do seu papel e gestão. A verdade é que é mais um jogo cínico, pois a conta é bem fácil: quem mais sofre com os desastres ambientais é a população mais pobre que, como sabemos, é a população negra.
Não, não é nada fácil sair de férias. Agora admito. Desapegar um tanto do consumo de notícias também faz parte do exercício. Perturbam mais duas da Bahia, estado que os sulistas costumam ver apenas como destino de férias. No último 6 de janeiro, Edmar Santos Costa foi morto por seguranças do sistema metroviário de Salvador, fato documentado por câmeras. Homem negro, assim como George Floyd e Beto Freitas, padeceu uma morte brutal, com o agravante de que seus familiares se inteiraram do vídeo há poucos dias, levantando uma investigação do que já sabemos ser racismo. Por outro lado, quando o Estado não tira férias pode ser que isto não seja exatamente bom. Domingo, indígenas pataxós foram baleados no município de Potiraguá, no sul da Bahia, em uma ação de ruralistas acobertados por policiais militares. Então, a Bahia não é mesmo só um estado de férias. Em todo o caso, prometo tentar ser digna das minhas e, quem sabe, voltar aqui com uma bela redação ao melhor estilo escolar sobre o assunto.
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