Adolescência, a nova série da Netflix, está dando o que falar, de tão vista que está sendo nos mais diversos lugares. Quando uma arte dessas, seja a linguagem que utiliza, tem um efeito desse tamanho, convém refletir sobre o sucesso. Ele pode apontar caminhos para o conhecimento de nós mesmos e do tempo que nos cabe viver. Às vezes, concluímos que é só uma sedução barata para agradar próximos e distantes, como fazem um best-seller ou um blockbuster sem maior profundidade, mas este não parece ser o caso.
Há muito para dizer da série que já conquistou o estatuto de obra aberta à vastidão de possibilidades de sentido, sonho maior de todas as artes. Exalta-se o plano contínuo da filmagem, a direção competente, o trabalho exímio dos atores. Sim, formalmente, Adolescência funciona, mas toda essa competência formal não repercutiria tanto, caso não acertasse em cheio o vazio no conteúdo que aborda. Ele, sim, nos representa como civilização que ainda busca ser digna desse nome.
Por isso, a série triunfa ao expressar, de forma criativa, a nossa maior derrota, traduzida neste mal-estar de nossa cultura; daí, talvez, angariar tanta atenção entusiasmada. Pode ser no subúrbio londrino, cenário escolhido para a trama. Pode ser no subúrbio francês, onde testemunhei o florescimento deste mal-estar, no começo dos anos 90. Pode ser, igual e diversamente, nas partes centrais dessas cidades ou mesmo no resto de um mundo desfavorecido, ou nem tanto.
Redes sociais e novas tecnologias ocuparam o espaço de um vazio de encontros, lá onde nada poderia ser mais essencial ou humanamente constitutivo do que estar junto para mostrar que eu me importo com você. Sim, eu quero olhar você. Quero tocar você, respeitosa e simbolicamente. Eu quero falar para você. Eu quero, sobretudo, ouvir você. Quero perder tempo com você.
Às vezes, o social não deixa, especialmente em lugares onde o não reconhecimento passa pelo preconceito, como no caso dos imigrantes, na França, onde trabalhei em escolas e hospitais dos subúrbios parisienses. Às vezes, um capitalismo selvagem é que conspurca este tempo de estar junto, forçando jornadas de trabalho excessivas, sem tempo de estar junto para o que mais importa, que é estar junto.
Então, a rede social ocupa quase todos os espaços, criando um mundo paralelo e perverso, sobre o qual podemos apontar todas as faltas, menos a presença de uma intenção malograda de estar junto. Quando comecei a trabalhar com famílias, há trinta anos, a máxima era desculpabilizá-las por não poderem estar com seus filhos. Hoje, décadas depois, tentamos cavar espaço para um mínimo de presença, feita de olhares não mediados pelas telas. Elas não preenchem, é preciso que a gente se olhe diretamente.
Ainda que a série tenha a grandeza de não apontar soluções simplistas para questões tão complexas, há uma passagem, no final do segundo episódio (são quatro), que se candidata a refletir sobre o que de melhor os pais poderiam fazer pelos seus filhos, nos dias de hoje: dar algum limite não para o filho, mas para o pouco tempo que vêm passando com ele. Então, o inspetor ouve e olha para o seu filho adolescente e o convida para estarem juntos, comendo batata frita e tomando Coca-Cola. E, por mais que Coca e fritas sejam um dos símbolos mais trash deste capitalismo hediondo e pouco saudável de nossos dias, aquele momento de estar junto é capaz de produzir no espectador uma enorme esperança.
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Foto da Capa: Netflix / Divulgação