Você deve estar pensando: “eu não sou rico e nem ostento!” Eu também pensava isso. A ONU define situação de pobreza quem vive com menos de um dólar por dia, mas não existe um valor para definir riqueza. Em uma pesquisa, perguntaram a alguns bilionários se eles eram ricos. Todos disseram que não, que apenas tinham uma vida confortável. Como não existe critério para dizer quem é rico, vou estabelecer a renda familiar. É um bom critério, certo?
Tomando a população brasileira, vamos considerar que serão ricos os 10% com maior renda familiar, os 90% restantes serão divididos entre classe média e pobres. Pois bem, segundo o IBGE, para estar entre os 10% mais ricos do Brasil precisa ter renda familiar acima de cinco mil reais. Acredito que você pertença ou logo irá pertencer a essa parcela da população. Se você tinha o desejo de ser rico, parabéns! Você pertence a uma das famílias ricas do Brasil.
E sobre a ostentação? Conheci o trabalho de Michel Alcorofado, um antropólogo especialista sobre as relações entre consumo, ostentação, riqueza e privilégios no Brasil. Pois trago alguns exemplos e argumentos que ele apresenta nas suas palestras, entrevistas e no seu videocast chamado “Caoscast”. Segundo o Michel, existe uma imagem negativa de consumo e positiva de produção, mas sem consumo não há produção. Ele diz que ao escolhermos um produto, mesmo que seja entre uma calça skinny, slim ou chino, mostramos quem somos, qual é a nossa identidade. Os produtos conectam pessoas. Veja os “Apple maníacos”, o “clube dos Harley Davidson”, “Clube do vinho”, “Tag livros”.
A desigualdade social no Brasil é construída diariamente e nós naturalizamos o que vemos, o que significa dizer que não precisa mudar. Ver crianças nas ruas que não vão para a escola não choca a sociedade. Quando ele fala em ostentar, não se refere apenas a quem esbanja dinheiro e come carne com ouro. A forma de comunicar mostra que a pessoa é de uma determinada classe social, que ela tem um certo status e tudo isso são formas de ostentar. Além disso, a maneira como o estado brasileiro vem sendo administrado reforça ainda mais os privilégios.
Coisas estranhas acontecem no Brasil. Por exemplo, você sabe quem mais entende de corte e da qualidade de um terno? Não é aquele costureiro famoso, mas o maître de um restaurante chique. Pelo terno do cliente ele escolhe a mesa e qual carta de vinhos irá oferecer. Sim, existe uma carta de vinhos para os pouco ricos e outra para os super ricos. Sabe quem melhor identifica um carro blindado? Não é o especialista em blindagem, é o manobrista de um restaurante ou do hotel cinco estrelas. Ele observa a altura da suspensão sobre o pneu, se ela está mais baixa que o normal. Se o carro está pesado, ou seja, é carro blindado. Essa é uma marcação de que o cliente é rico e seu carro ficará em local privilegiado para o cliente não esperar muito tempo ao sair. Da mesma forma, o relógio, a bolsa, o sapato, tudo são marcações de diferenças. São códigos que definem como o cliente será tratado.
Quem não tem o dinheiro dos super ricos, fará de tudo para parecer ser, pois quem se apresenta como uma pessoa rica, terá mais pontes do que muros na vida. Isso não ocorre só em hotéis e restaurantes. Por isto, os ricos falidos lutam até a morte para não serem descobertos, mas sinais como o pneu careca do seu Porsche, o gramado ou a piscina da mansão mal cuidada, comprovam que ele não está bem de grana.
Alguém pode dizer que tudo isso é fútil e que não é consumista. Segundo o Michel Alcorofado, se a pessoa anda de bicicleta, faz yoga, fez mochilão pela índia, foi para o Nepal, tudo isso é consumo. Acontece que as pessoas moralizam o consumo. Costumam dizer que o seu consumo é bom e o do outro é ruim.
Outro ponto interessante é perceber que um produto não tem um valor em si, ele precisa de um contexto. A mesma bolsa, na mão de uma mulher pobre, será considerada falsificada. Mas, se for na mão de uma mulher rica, será dita que é legítima. O local onde ela estiver também influencia: se a mulher estiver pegando um ônibus de manhã cedo, a Louis Vuitton será vista por todos como falsificada.
Quem opera muito bem as coisas de rico reproduz as desigualdades. Nesse modelo de sociedade, quem está dentro briga para não sair, e quem está fora, dá uma vida para entrar. Por muito tempo, se criticou ou se invejou os ricos. Agora está surgindo um terceiro modo de olhar a vida deles: o deboche. Existem séries, livros e a própria mídia que evidenciam alguns gestos dos ricos com deboche.
Lembra da música do velho da lancha? Ou da notícia de que um bilionário doou 10 cestas básicas para as vítimas das enchentes? Isso tudo são deboches, alguns até viram memes. Por fim, eu acho que as análises do Michel se aplicam para determinados grupos. Eu penso que o consumo escraviza. Cada vez tento consumir menos, ter menos coisas. Só que me dei conta de que o celular que eu tenho, o computador que eu uso, tudo isso são marcações que me diferenciam e isso é uma forma involuntária de ostentação.
Referências:
– Não Ficção – Por que ser rico no Brasil dá tanto trabalho?
– CBN – Mundo corporativo: Entrevista com Michel Alcoforado