Nem bem havia estreado nas salas de cinema, Joker: Folie à Deux (Loucura a Dois) já recebia uma enxurrada de críticas negativas. Pois vamos lá, eu gostei, aliás, gostei muito. Esse segundo filme é de alguma forma o que eu estava esperando ver, mas também aquilo que não poderia imaginar. É um filme um tanto violento, intenso e incômodo. Contudo, repito que gostei e entro em defesa do meu ponto de vista.
Longe de ser crítica de cinema, começo pelo óbvio: Joaquin Phoenix está excepcional. Ainda mais dramático, mais enigmático, porém sem exageros e um pouco menos caricato. Sua atuação está imbuída de amargura e loucura. Essas características de personalidade do personagem parecem querer rasgar a pele do ator, que surge ainda mais magro do que no filme anterior. O sorriso descontrolado e marcante do Joker já não se faz tão presente. Um indicador do que viria pela frente.
A atuação de Lady Gaga também merece aplausos. Ela está perfeita. A crítica diz que a atuação poderia ser maior. Se não o foi, certamente não foi por falta de talento, entendo que foi como deveria ser para o desenvolvimento da trama. Ela pode cantar mais? Claro. Pode roubar a cena? Lógico. Porém, Lee Quinzel parece não ter sido concebida para ser a Harley Quinn dos “comics”. Ela surge mais como uma peça da sociedade desumana e doentia da qual Arthur Fleck faz parte.
Lady Gaga e Joaquim Phoenix podem não ter formado a dupla explosiva de bandidos desordeiros sanguinários que o público esperava, mas a química entre eles em cena é inquestionável. Os artistas dão vida e forma a Arthur e Lee, dois personagens socialmente deslocados que alimentam mutuamente suas loucuras.
Ele: marginalizado, assassino, louco e isolado em uma cadeia.
Ela: narcisista, sedutora, manipuladora, parte de uma elite dominadora, solta pelas ruas.
E é assim que Joker e Harley viram secundários.
Ao humanizar a imagem do Joker anti-herói e tirá-lo do papel principal, cedendo espaço ao homem Arthur, e ao não dar a Lee o papel destacado de Harley, o diretor Todd Phillips foi, sem sombra de dúvidas, muito ousado. Certamente iria contrariar uma audiência que, durante quase cinco anos, nutriu a expectativa de ver nas telas cenas de horror – loucura – a dois.
A trama, às vezes arrastada, concordo, vai gradualmente passando do tom de suspense, herdado do filme anterior, para um misto de drama/musical. Por falar neste último estilo, as sequências musicais são, desde o meu ponto de vista, alguns dos pontos altos do filme. Não porque trazem a leveza dos musicais tradicionais, muito pelo contrário, ao surgirem na mente doentia e delirante de Arthur, soam como um desesperado pedido de socorro de um homem atormentado que, ao pensar que havia encontrado uma saída, encontra na imagem idealizada do amor mais uma pessoa capaz de atirá-lo nas profundezas da sua mente obscura.
É um filme tenso, soturno e perturbador, mas acho que vale o esforço de interpretação e reflexão. Não é fácil aceitar o estilo disruptivo imposto pelo diretor. Não é mais Gotham City e nem se enquadra na relação mocinho/ bandido dos quadrinhos de Batman e Coringa. Porém, o filme traz muito da atualidade das relações sociais, onde há uma predileção por notoriedade e palco, valorização e ascensão de fenômenos da cultura pop e simpatia por anti-heróis.
Ao colocar Joker em segundo plano, o filme escancara a fragilidade humana no papel de Arthur. Talvez esteja aí o desencanto em relação ao filme. Quem garante que “Joker: Loucura a Dois” não vai acabar se tornando um “cult”, a exemplo de tantos outros detonados pela crítica e que foram verdadeiros fracassos de bilheteria?
O tempo dirá.
Foto da Capa: Reprodução do YouTube
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