Eu dobro as esquinas das páginas
dos meus poemas favoritos
para que sejam de minha autoria também.
Não entendo esse medo de perder tudo que mais se ama
em meio à grande maioria do que é mediano.
Muitos se impactam com gente que, como eu,
risca seus livros, à caneta, irremediável.
Cada primeira marca que deixo em um livro novo é uma inauguração
Um ritual de boas-vindas à minha singela biblioteca.
O livro que chega precisa saber que será riscado, lido em partes,
às vezes deixado na cabeceira, na mesa, na bolsa.
Será abusado, tomado como meu e atravessado por rabiscos que vou deixando pela obra
Só para que ele lembre que é todo meu e terá que se entregar
Livros não são templos para serem mantidos limpos e lisos
Justamente por serem sagrados é que precisam ser únicos, tatuados por quem os tem.
Meus riscos, meus apontamentos, exclamações, observações
Emprestar um livro rabiscado é expor a intimidade do que se destaca de dentro
O que enfatizo é minha essência, mesmo que mutante.
Hoje sublinho o que amanhã talvez passe desapercebido
Amanhã hei de sublinhar o que hoje parece desimportante
Marca texto, post its, dobraduras.
Sublinhados, marcas, asteriscos.
Cada qual encontra sua tentativa vã
de não perder o que lhe é predileto.
Vã é a pretensão de não esquecer aquele poema, aquela pessoa
Aquele outro trecho, a obra inteira
ou até mesmo a pessoa (inteira?)
Mesmo eternas, impressas, marcadas
existe sempre o esquecimento da camada mais ao norte de si
e a incerteza do motivo de ter sublinhado aquele trecho que hoje parece tolo e desimportante.
As paginas amareladas, o tempo do livro fechado que nem mais se destaca.
O importante sempre some com o tempo, se não importa o bastante
Por isso os clássicos amores por vezes se tornam como a tatuagem que já nem enxergamos mais
Eterno não é o que não sai, mas o que insiste dentro.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
Mais textos de Luciane Slomka: Leia Aqui.