Baudelaire, Montaigne, entre outros, foram homens que colocaram as suas melancolias a serviço do Ensaio como gênero artístico. Além disso, no ensaio – em sua recusa das formas levada à condição de método – essa melancolia, depurada esteticamente, gera a beleza de tantos trabalhos que, se bem não se propõem a contar uma história ou aderir completamente à poesia, fazem uma composição que é impossível não tomar como literária.
Na melancolia, quer lida psicanaliticamente ou literariamente, encontramos um ponto comum em relação à não resolução dos assuntos. Existe uma elaboração infinita em jogo, uma deriva que não tem muita vontade de chegar a um porto, pelo menos não a um porto/ponto final. Daí a sua afinidade com o gênero ensaístico. Esse gênero não quer fazer tese. E, se acaso adere à dialética com tese, antítese e síntese é só para, logo ali na esquina, tropeçar de novo, reabrir o jogo e entregar-se a uma nova errância.
No título desse pequeno ensaio, trago a melodia de uma obra do mestre vienês – Luto e Melancolia, de 1917. Texto freudiano que li diversas vezes, talvez a maior parte das vezes em espanhol, portanto, Duelo y Melancolía. Antes de me sentir versada neste idioma de nossos hermanos, me lembro de, na pré-adolescência, escutar o famoso e burlesco “duela a quien duela” de Fernando Collor de Melo. O Google está na mesa para contar melhor, mas a ideia equivocada do atrapalhado e corrupto mandatário era dizer “doa a quem doer”, uma expressão muito nossa, muito brasileira. Por outro lado, além da ideia hispânica de dor, duelo e luta aparecem na semântica da guerra. Faz pensar nas semelhanças entre a luta e o luto. Afinal, quem perde algo ou alguém importante luta para se recompor. Ou melancoliza.
Na literatura, como em outras artes, existem, então, aqueles que colocam a sua melancolia a serviço da fruição e da estética. Há outros e, sobretudo, há outras que colocam as suas lutas em jogo. E, nesse caso, faz-se o luto de algumas perdas através dessas próprias escritas. Assim, abre-se espaço para a alegria. E há espaço para a alegria na luta, por exemplo, quando leio em Audre Lorde (foto da Capa) que, para nós mulheres, a poesia não é um luxo. Hoje, quando me encontro com os escritos dela, de Lélia Gonzáles ou bell hooks, entendo que essas mulheres negras, intelectuais e ativistas encontraram-se diversas vezes com o luto, com a luta, mas também com um fogo, com uma alegria de se colocar a serviço desses combates tão necessários como o enfrentamento do racismo e do machismo.
É verdade que aprendo e sou feliz de ter trilhado os belos ensaios dos melancólicos. Agora é outro momento.
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Foto da Capa: Audre Lorde / Livro The Cancer Jounals