A origem da palavra cuidado é latina, do termo cogitare, cura. Enquanto a ação de curar seria uma ação sanitária, aplicável às ciências médicas, para curar bem é necessário cuidar. Ou seja, cuidar é anterior ao curar. Todos seres vivos necessitam de cuidado, sejam animais ou vegetais. Entre todos, o Homem é o que mais necessita de cuidado, pois é o que mais tempo leva para chegar à independência. Ao nascer, se não somos cuidados, morremos.
Mas para além da definição do cuidado com relação à independência e cura, podemos falar de uma Ética do Cuidado. Nela, conforme definiu numa entrevista a pesquisadora alemã Helen Kohlen, uma referência em bioética e ética do cuidado em ambientes hospitalares, “o cuidado significa não somente estar conectada consigo mesma, mas também com a outra pessoa, instituição, inclusive com o mundo. Contudo, é claro, também existem poderes e interesses políticos. A ética do cuidado não é assunto apenas de médicos ou enfermeiras, também há muitos cientistas políticos refletindo sobre ela. O que isso quer dizer? Que a moral deve estar integrada à política e, quando falamos de moral, temos que considerar também aspectos como o cuidado. O cuidado implica interesse pela justiça, pelas desigualdades, pela economia, pelo ambientalismo… É algo necessário para a democracia”.
É nesse sentido que gostaria de explorar o sentido do cuidado, compreendendo suas dimensões como halos que se expandem, se conectam e que são interdependentes, onde não ocorrendo essas condições o desequilíbrio acontece.
Cuidar de si
Nessa dimensão do cuidado, muitos podem confundi-lo com o egoísmo, mas há uma diferença, pois o egoísta não consegue sair dessa dimensão, enquanto que o cuidador exerce o autocuidado para se fortalecer. Sem essa dimensão trabalhada, cedo ou tarde, a pessoa cuidadora irá se fragilizar ao ponto de não conseguir seguir adiante. Para tanto, é necessário prestar atenção para sua saúde física, social, mental, espiritual, como por exemplo, comer alimentos saudáveis, ter um sono de qualidade, hidratar-se, realizar atividades físicas, ir ao médico preventivamente e realizar os exames, criar e fortalecer as redes afetivas positivas, desenvolver a espiritualidade (ou religiosidade), estabelecer propósitos para a vida. Já assistiu a minissérie na Netflix “Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis”? Vale a pena conferir.
Mas como disse antes, há uma interdependência entre uma dimensão e a outra. Um exemplo é o da vacina. Quando eu me vacino, me cuido, mas também contribuo para o cuidado do outro, meu próximo, seja amigo, familiar ou desconhecido.
Cuidar do outro
Essa é a dimensão mais popular e conhecida entre todas. Cuidar significa em primeiro lugar preocupar-se com o outro, dar atenção e dedicar-se ao outro. Como consequência disso, cuidar do outro também significa importar-se com as pessoas. Assim, é fácil localizarmos o cuidado quando olhamos para nossas relações afetivas, familiares, e de amizade. Também conseguimos facilmente identificar o cuidado nas profissões da saúde, nas atividades de médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas etc.
Outras formas de cuidar do outro
Até mesmo se você pensar na sua equipe de trabalho é possível enxergar o cuidado, desde a “senhora do cafezinho” até o CEO cuidam de alguma parte do processo de trabalho da empresa que, ao final, cuidará das pessoas que nela trabalham (ou deveria). E sim, há cuidado quando profissionais diariamente trabalham para que a gente receba água tratada, energia elétrica, internet, notícias, segurança pública, educação… todos ao final estão – mesmo que não saibam conscientemente – se dedicando ao outro.
Um aspecto importante do cuidado ao outro
Quando cuidamos, assim como quando somos cuidados, há uma troca entre cuidador e quem é cuidado. Troca de experiência, de saberes, de valores, empatia. Mas é importante que essa troca não se confunda com tentativa de imposição de opiniões. O cuidado com respeito à diferença, autonomia, independência, é fundamental. Assim, o cuidar se mantém saudável na convivência.
Deixar-se cuidar
É difícil. Numa sociedade onde somos educados para demonstrar força, coragem, valentia. Permitir-se ser vulnerável e frágil, pedir ajuda e colo, no geral é identificado como mi-mi-mi, humilhação, incapacidade.
Para nós, mulheres, tão naturalmente colocadas no papel de cuidadoras, que o papel de salvadora nos cabe quase como uma segunda pele. O adjetivo de guerreira, lutadora, é quase que um sinônimo de mulher, é só ver os cartões comemorativos desse dia. Então, pra gente pedir ajuda é ainda mais complicado. Como se deixar cuidar?
A coragem de ser imperfeito é o verdadeiro poder
Esse é um tópico que rende um livro. E é justamente isso que gostaria de recomendar, o livro A coragem de ser imperfeito, da Brené Brown, pesquisadora e professora americana na Universidade de Houston, no livro ela escreve “nós precisamos de apoio, de pessoas que nos ajudem na tentativa de trilhar novas maneiras de ser e não nos julguem. Precisamos de uma mão para nos levantar quando cairmos (e se você se entregar a uma vida mais corajosa, levará alguns tombos). A maioria de nós sabe prestar ajuda, mas, quando se trata de vulnerabilidade, é preciso saber pedir ajuda também”. Na Netflix, tem o documentário dela, baseado no livro, chamado O Poder da Coragem
Mas veja que aqui também há interdependência com as demais dimensões, pois na medida que uns dependemos dos outros, esse reconhecimento é importante para o equilíbrio de todas elas.
Cuidar da Terra
Em um olhar ampliado para o cuidar do outro é preciso abordar sobre o cuidado com o Planeta, especialmente, o meio ambiente. Já estamos há muito tempo sendo avisados sobre o que é necessário ser feito para cuidar da nossa casa. É urgente que sejamos intransigentes com as maneiras de zelar nossa casa, a Terra, para que esta não venha a se tornar um lugar onde nós, humanos, não tenhamos lugar.
Um está conectado ao outro…
Nesse sentido o cuidar do outro e de si estão implicados nesse processo. Pois nosso coração precisa compreender que cuidar da Terra significa cuidar da sobrevivência de cada um de nós e de quem amamos e das pessoas que elas irão amar, como os filhos de nossos filhos e de seus filhos. Então, aprendida esta equação, espero que tenhamos chance nesse Planeta.
Os eventos que temos visto, secas, enchentes, incêndios, cada vez mais frequentes, são reflexos de nossas atitudes. A Ciência aponta caminhos para conter esse quadro e até reverter, em algumas situações. Queremos cuidar, como sociedade? Pois, com licença, não adianta jogar esse cuidado apenas no colo do cidadão. Nós, separando lixo orgânico do seco, economizando embalagens plásticas e sacolinha no supermercado ou comprando produtos sem origem animal, etc., NÃO faremos sozinhos a mudança que o Planeta Terra necessita. É preciso que governos e setor privado façam a sua parte de cuidado (para que eles tenham um futuro também). E nosso papel como cidadãos é cuidar, cuidar, cuidar…para que façam o que precisam fazer.
O círculo do cuidado
Imagina que estamos numa sociedade com consciência da importância da vida, do importar-se pelo outro, com a capacidade de atenção, preocupação e atendimento, num lugar onde ao reconhecer o nosso limite, declaramos que estamos precisando de cuidado. Então, somos reconhecidos e acolhidos em nossas necessidades. Aceitamos o suporte e somos nutridos. Retornamos de forma energizada, elevada, vibrante. E, em algum momento, retribuímos para a comunidade. Isso, multiplicado por todas as pessoas daquela comunidade criaria uma enorme e potente energia criadora, positiva e colaborativa. Uma sociedade de abundância. Lembrando das dimensões do cuidado acima descritas, quantas vezes quebramos (pessoal e coletivamente) esse círculo virtuoso?
Já sabemos como fazer para chegarmos até os 100 anos. Mas talvez nossos filhos ou netos ou bisnetos não consigam viver até os 100 anos porque o Planeta não existirá mais. Será que não está na hora de construirmos uma Sociedade do Cuidado?
Ilustrações: Acervo da autora
*Texto originalmente publicado aqui em 14/09/2023