Eu descobri que tinha transtorno de déficit de atenção (TDAH) somente quando já passava dos meus 45 anos. Vendo em retrospectiva, fica difícil entender por que demorou tanto. Talvez porque eu já estivesse acostumado a mascarar muita coisa que sentia, achando que tudo era normal e o problema estava comigo: desorganizado, até mesmo relapso em algumas situações.
Pode também ter sido por não ter saído por aí procurado um diagnóstico, aliás, qualquer explicação. Mas a hipótese do TDAH começou a surgir de conversas com outras pessoas que compartilham essa característica comigo e em como nossas histórias se pareciam: as dificuldades de encontrar o carro nas garagens de shopping, como o melhor aluno nas matérias que gostava era péssimo naquelas que não lhe diziam nada.
Só poderíamos mesmo rir da necessidade de respirar fundo e dar uma pausa para, então, reiniciar o que não estamos mais dando conta de fazer. Tipo um botão de reset do computador, para reiniciar o sistema operacional já que a memória de curto prazo está cheia.
A descoberta do TDAH foi importante demais em termos de autoconhecimento e serve de bússola sobre como agir daqui para a frente para enfrentar os desafios do cotidiano. Em suma: tornou-se parte importante da minha identidade e de quem eu sou ao mesmo tempo que não é determinista e nem diz tudo que sou. Por isso, é particularmente frustrante quando alguém diz “hoje, todo mundo tem TDAH” ou que “eu também sou desatento” ou, aqueles que dizem que isso é uma nova moda.
Quando a invalidação vem de uma pessoa distante, alguém com quem não sinto muito contato, tudo bem. É chato, mas, como se diz no futebol, “segue o jogo”. Porém, quando vem de uma pessoa próxima, o diálogo será interrompido ou dificultado, afinal, estou diante de alguém que está negando ou minimizando o que sinto como uma parte importante de mim. É aquela rachadura na amizade que pode pôr abaixo um edifício inteiro.
Um dos hábitos adquiridos com essa descoberta foi acompanhar publicações sobre o tema nas redes sociais. Acredito que os algoritmos tenham descoberto isso antes de mim e me bombardearam com informações sobre o assunto. Essa semana, minha colega Gisele Costa, ela também pessoa com TDAH, além de advogada ativista da causa dos direitos da pessoa com deficiência, compartilhou uma figura publicada pela página Equilíbrio Mental , da psiquiatra Natália Chaves Pessoa, que poderia ser feita para mim:
Nela, são faladas as características das pessoas com TDAH do tipo D – predominantemente distraído. Uma parte do quadro diz “o que acham que é”: se distrair até com uma mosca passando e “viajar na maionese” quando alguém está te contando coisas importantes.
O que a página não diz é que “viajamos na maionese” com a mosca passando! Na semana passada, eu estava conversando com minha mulher na sala de casa quando uma palavra que ela disse me provocou um pensamento. Foi coisa de segundos, mas o suficiente para eu ir longe, fazendo associações a partir do que ela disse. Como ela me conhece, disse que meu olhar já mostrava que eu estava distante.
E a “mosca passando” não deve ser entendida de modo literal: pode ser um mosquito, uma aranha, mas também pode ser um sotaque que nos intriga, um detalhe da roupa da pessoa com que falamos. Pode ser qualquer coisa, até mesmo uma mosca zumbindo pelas redondezas.
No outro quadro do diagrama, é dito “o que não sabem mas também é”… e daí, são listadas várias características.
“Esquecer datas, compromissos e chegar sempre atrasado”: a questão dos atrasos, eu luto bastante e faço um esforço exaustivo para ser o mais pontual possível. Já as datas e compromissos, a partir do momento em que sei o risco que estou correndo, eu procuro sempre anotar na agenda do celular. Mais de uma vez já me aconteceu de simplesmente esquecer um compromisso ou, como na última sexta, confundir o horário inicial com o final de um evento e me atrasar bastante (sorte que o meu amigo e leitor Fernando Pecis me salvou!). Mas também já aconteceu de eu lembrar tanto de um compromisso que cheguei um dia ou uma semana antes da data marcada!
“Ler 2 páginas e não lembrar de quase nada que leu”: se isso for um crime, podem me condenar logo. O pior é quando precisas ler várias vezes para entender algo absolutamente banal. Nessas horas, silêncio absoluto e smartphone distante são santos remédios.
“Deixar todos seus objetos espalhados pela casa e toda hora ter que procurar na bagunça”: bem, quem já conviveu na mesma casa comigo sabe que é bem assim. Uma das soluções é tentar determinar lugares fixos para os objetos, pelo menos os principais, como chaves, telefone e carteira. Já óculos e fones de ouvido estão espalhados por quarto, sala, carro e trabalho. São ótimas medidas de sobrevivência na selva.
“Fazer várias coisas ao mesmo tempo e não finalizar nada direito”: é a atitude Livin’ La Vida Loca, ter muitas tarefas diferentes entre si esperando por mim já é um modo de vida. Quanto a não finalizar nada direito, isso é opcional. A maturidade foi me ensinando a usar mais a palavra não e já nem iniciar o que não posso fazer direito. Aos poucos, fui deixando para trás a máxima de Fabrício Carpinejar de que deixar pela metade era o meu jeito de terminar as coisas.
“Deixar tudo para última hora”: pobre Luiz Fernando S. Moraes que, acredito, já cansou de se preocupar com isso. Porque toda semana, ele dizia que era para mandar um pouco mais cedo. Dentro do possível, faço isso.
A procrastinação: esse comportamento será tema de uma coluna só dele, mas não hoje. Vamos deixar para as próximas semanas.
Como escreveu a escritora Becky S. Korich em sua coluna “Vivo, logo procrastino”, publicada na Folha de São Paulo:
O que mais aflige é justamente o que nos salva: o prazo final. A delimitação do tempo é o que nos leva a entregar o melhor e nos faz aceitar a nossa própria incompletude e limitação. Nada mais libertador.
E assim, enquanto o derradeiro prazo final, a morte, não chega, estaremos distraídos e correndo para entregar aquela tarefa no prazo combinado (e renegociado). Faremos isso nem que vocês precisem nos lembrar disso a cada seis meses. Preciso lembrar de registrar esse prazo final na agenda, se não, vocês já sabem…