Roteirista, ator, escritor, dramaturgo e ativista pelos direitos civis, sociais e políticos da população negra, o multitudo Rodrigo França faz sua estreia como diretor. Seu primeiro longa-metragem tem trama desenvolvida na Penha, subúrbio carioca onde ele passou a adolescência.
Em cartaz na Netflix, Barba, Cabelo e Bigode é um filme leve, divertido com um elenco midiático e majoritariamente negro. Entre os nomes que desfilam na telinha, destacam-se Lucas Penteado, Solange Couto, Juliana Alves, MC Carol e Sérgio Loroza, além da veterana Léa Garcia, de 89 anos.
Ambientada na Penha, bairro do subúrbio carioca, onde o diretor viveu, o filme conta a história de Richardsson (Penteado), um jovem que acabou de se formar no ensino médio e ainda não sabe que rumo tomar. A mãe e a irmã querem que ele faça faculdade, mas o garoto gostaria mesmo é e trabalhar com a mãe no Saigon, salão de beleza dela que está mal das pernas. Na tentativa de ajudar o negócio, Richardsson revela seu talento para cortes de cabelo.
A jornada desse herói negro e suburbano é plena de divertidas confusões e referências à cultura e ao comportamento black na periferia, na favela, sem recorrer a violência, miséria e dor. A proposta de Rodrigo França tem na base um tom leve, embora mantenha sempre latentes boas pitadas de crítica social. Poderia ser um filmezinho bobo como tantas produções norte-americanas que inundam o repertório dos streamings e emissoras de TV e, talvez, nesse caso, a recepção do público seria mais rápida e “natural”.
O fato de ser um filme brasileiro, repleto de “atores” que se tornaram conhecidos do público por suas participações no reality Big Brother – e inclua-se aí o próprio diretor – provoca reações mais severas e a crítica do contra de plantão reclama de consistência, de atuações rasas e de roteiro mal-amarrado.
Ok, Barba, Cabelo e Bigode não é uma obra prima. E daí? O que se vê ali é um registro criativo e carinhoso da diversidade cultural de um Brasil majoritariamente negro. E isso já é um trunfo. O filme faz rir, diverte com a sutileza de informação e comprometimento. Passatempo leve. Tem lá seus problemas de ritmo, esbarrando em um ou outro estereótipo, mas tudo isso fica em plano secundário.
Barba, Cabelo e Bigode nos conquista com sua naturalidade de tratamento e interpretação. Ao estilo do seriado A Grande Família, só que com elenco preto, o filme é entretenimento sem ranço panfletário que nos convida a sentar e rir. E, claro, ver um Brasil preto e real na TV. Aliás, o filme tem toda a pinta de piloto de série, viu? Se não era essa a intenção da Netflix e do diretor, vale repensar. Faz falta a gente se ver mais na TV e no cinema.
E isso está mudando. É realmente um alento perceber a participação cada vez maior de diretores, atores, produtores e técnicos negros no cinema brasileiro. Depois de tantos anos, as telas estão cada vez mais tomadas de produções que vão além de mostrar o universo da população majoritária em números, pelo menos em números, no Brasil.
Há pouco tivemos o fenômeno Medida Provisória, com cinemas lotados, obviamente também por força de duas celebridades pretas diretamente envolvidas na produção: Lázaro Ramos como diretor e Taís Araújo. Poderes de mídia à parte, o filme tinha o que dizer e a gente muito para ver e ouvir. E queremos mais. E eu aqui, torcendo para que também a referência à gastronomia de nossa gente tenha atenção nessa onda.