Ninguém se levantou da poltrona. Cada pessoa, absorta em seus próprios pensamentos, tentava processar os sentimentos que a experiência recém-vivida havia provocado. Ninguém sairia ileso daquela sala de cinema. A projeção havia terminado há minutos, mas era como se as imagens ainda pairassem no ar, reverberando nos olhos de cada espectador, no silêncio que os envolvia. Mesmo aqueles que pouco ouviram falar daquela época fatídica, se contagiaram com a atmosfera de incertezas de quem viveu os anos de chumbo.
Foi essa a sensação que eu tive no dia em que assisti Ainda estou aqui. Embora o tema possa parecer distante para alguns, ele ganhou vida e atualidade na narrativa contada e representada pelos atores tão bem preparados. Muitos dos que estavam ali presentes não experimentaram na pele as dores da protagonista, e menos ainda as de Rubens, que, como tantos outros, nunca deixou sua prisão para contar a própria história. Alguns poucos vivenciaram aquela época sombria e carregam na alma as cicatrizes da repressão e do silenciamento. Esses não sentiram apenas empatia pela dor de Eunice Paiva e de sua família, esses reviveram a sua própria dor.
Rubens deixara de ser deputado há muitos anos, mas isso não o eximiu de ser perseguido e enquadrado como terrorista pelas autoridades brasileiras. O simples fato de entregar cartas de exilados aos seus familiares foi a desculpa perfeita para que oficiais da marinha o buscassem em sua casa e o levassem a depor. Com a promessa de que seria liberado em breve, seguiu em seu próprio carro na companhia dos militares e nunca mais retornou. Essa foi a sina de muitas famílias brasileiras durante o período mais obscuro de nossa história: conviver com a ausência e a incerteza de um dia rever novamente um ente querido.
Embora o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, tenha raízes na história do deputado Rubens Paiva, ele não se concentra na trajetória política ou nos detalhes do desaparecimento e assassinato do ex-parlamentar, uma das vítimas da ditadura militar brasileira em 1971. Para explorar os aspectos políticos e os desdobramentos do caso Rubens Paiva, é essencial recorrer ao livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, onde ele descreve com profundidade os possíveis motivos da prisão do pai e os relatos sobre as circunstâncias de sua morte brutal.
O longa, no entanto, tem outro foco. Ele ilumina a vida de Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva, ou simplesmente Eunice Paiva, a viúva de Rubens. Essa mulher, representada divinamente por Fernanda Torres, não apenas enfrentou o desaparecimento do marido e a prisão junto com a filha menor de idade, mas também a ausência de respostas e as dificuldades de cuidar sozinha de cinco filhos. Eunice simboliza a resiliência e a força de uma mulher que, apesar da violência institucional, não cedeu à resignação. Ela transformou a sua dor em ação, lutando pela memória do marido e pela justiça. Talvez esse seja um dos maiores motivos do impacto que o filme tem causado em quem o assiste: a dor de Eunice Paiva não destruiu a sua vontade de viver e de se tornar protagonista da sua própria história. Ela não desistiu da busca pelo marido, não deixou de chorar muitas noites sozinhas no quarto e, assim como tantos outros, não esqueceu tudo o que viveu naqueles tempos sombrios. Mesmo assim, não baixou a cabeça diante de nenhuma adversidade, não se afogou nas próprias mágoas e nunca aceitou que tivessem pena dela e de sua família.
O filme, por fim, é um convite à reflexão. Para aqueles que não vivenciaram diretamente a repressão, ele ilumina as sombras de um passado que o Brasil muitas vezes prefere esquecer. Para os que carregam as cicatrizes do regime militar, ele oferece um reconhecimento e uma homenagem às lutas individuais e coletivas. Mais do que entreter, Ainda Estou Aqui cumpre o papel de resgatar a memória histórica, garantindo que as vozes silenciadas nunca sejam esquecidas e que histórias como a de Eunice e Rubens Paiva continuem a ser contadas.
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Foto da Capa: Acervo Familiar / Reprodução