Evento é VENTO. Pra muitos, pouco fica do que rolou em alguns dias de uma intensa programação. Para outros, ventania. Movimenta o momento. Depois que as árvores e as janelas se aquietam, tudo volta a ser como era antes das rajadas.
O que fica permanece de grandes eventos é a experiência de estar em uma superprodução. Ter contato com pessoas, conhecer gente. Saber que há um tanto de coisa além da nossa aldeia. Eu, confesso, gosto muito de estar em ambientes que atiçam os sentidos. Que geram outras visões, possibilidades. Tenho saudade do Fórum Social Mundial, quando se debatia, se acreditava que “Um outro mundo é possível”. Como era bom encontrar gente de várias partes do planeta preocupadas em fomentar um futuro melhor, mais consciente e menos desigual.
Porto Alegre já foi o epicentro de encontros de pessoas que não só acreditavam em novas combinações socioeconômicas como apresentava soluções do quanto um outro mundo seria possível. Participei ativamente de edições onde se defendia que um mundo sustentável seria possível. De lá para cá, o contexto se transformou em várias direções. O cenário hoje é distinto daquele do início do século. Meu pouco mais de meio século de existência já presenciou eventos de horizontes contrastantes, que representaram o imaginário de diversas configurações ao longo do tempo.
Na capital dos pagos, o South Summit é o maior evento de inovação da América Latina! Quem anda pelo continente sabe o quanto é discutível essa afirmação. Até porque faz parte da nossa cultura dar uma exagerada e gostar de se auto intitular o maior, o melhor etc. O fato é que quem pode e se permitiu parar, sentar, ouvir para assimilar o conhecimento e as informações que foram lançadas lá pode ainda estar processando tanta coisa. Aquele tudoaomesmotempoagora me cansa só de pensar. Para mim, é algo insustentável. Mas é o que está na moda.
Independente do que rolou em tantos palcos, arenas, salas, mesas e recantos, só a possibilidade de saber que há gente, empresas empenhadas em fazer acontecer já é interessante. A proposta é fomentar negócios. Conexões. Se são bons no longo prazo para melhorar a vida da maioria, não se discute. Importante ser inovador, ser escalável. Não é um evento para massas, é para o público focado em business.
E em meio a tantos estímulos, a presença de palestrantes iscas geralmente é um atrativo para chamar público. Neste ano, um dos expoentes do South Summit foi o John Elkington, consagrado por ter cunhado o termo “triple bottom line”, a premissa que gerou o tal ESG (environmental, social e governance em Inglês). Esses três pilares são considerados pelas empresas, indústrias, organizações que sabem o que significa ter uma boa reputação no mercado.
Elkington hoje vai além desse tripé. Defende a regeneração, é otimista, apesar de tudo. Acredita que depende de cada cultura a velocidade de se dar por conta da necessidade de implantar boas práticas na agenda do ESG, para a melhoria das ações em direção à sustentabilidade. Ele revelou, em entrevista para mim (não foi fácil conseguir alguns minutos com ele), o quanto lhe preocupa as consequências do aquecimento global, a situação da Amazônia, que pode se transformar em uma savana em 40, 50 anos. Para ele, esse tema é urgente e vai afetar a todos e cada vez mais rápido. Ele até começou uma de suas duas palestras comentando sobre a vigorosa tempestade da madrugada que passou em Porto Alegre. Aliás, todos que foram no evento sentiram na pele, nas entranhas, o efeito das mudanças climáticas nessa parte do sul global. O calor escaldante do primeiro dia, a chuva e a alteração da temperatura do segundo e o friozinho do terceiro, na finaleira do evento.
Elkington é um sujeito amável, calmo e simples. Por ele, ficava mais tempo conversando comigo e com a repórter Daniela, do Projeto Draft. Assim que colocou o pé na rua, atendeu o chamado de amigos e conhecidos que lhe aguardavam. Todos estavam loucos por um registro com ele. Ele atendeu a todos com presteza e generosidade.
Ele é uma pessoa que arou terras em vários lugares do mundo, plantou e colhe frutos da sua trajetória. Perguntei sua opinião sobre o jeito dos republicanos recriminarem a sigla ESG nos Estados Unidos. Ele confessou que também tem amigos, pessoas da família que são republicanas. Mas que, na sua opinião pessoal, eles estão loucos. Do jeito que as coisas andam, o clima hostil que instigam parece que querem fomentar uma guerra civil naquele país.
O encontro com Elkington foi rápido, intenso e serviu para várias reflexões. E fiquei pensando: será que ele veio só para uma palestra de uns 40 minutos e outra de uns 10 minutos? Fiquei sabendo que esteve em um jantar privado com alguns convidados. Consultei a assessoria de imprensa do South Summit sobre outras programações do convidado. Indaguei se empresários, outras pessoas quiseram se reunir com ele, porém me disseram que não se tinha essa informação.
Convenhamos, em uma terra onde as práticas mais sustentáveis precisam desabrochar, seria relevante que mais tomadores de decisão ouvissem o que ele tem a dizer. A regra número um de qualquer iniciativa que pretende ser sustentável é não gerar desperdício. Bem ele poderia ser melhor aproveitado para que suas sementes fossem largadas mais longe, em terrenos mais férteis.
Outra sugestão, para os próximos eventos, é ter tradução simultânea para palestras como a dele. O vento que sopra no cais, precisa ser forte, para empurrar sementes adiante. Bem longe dos muros da Mauá. Muitas foram jogadas ao vento. Vai depender da cabeça de cada um se vai germinar, florescer, gerar frutos.
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