Falta pouco mais de um mês para a segunda edição do Expo Favela Rio Grande do Sul, que acontecerá nos dias 28 e 29 de novembro, em Porto Alegre. O evento integra o calendário nacional, que abrange 17 estados e o Distrito Federal, e busca construir um ambiente de visibilidade, conexões e oportunidades de negócios para empreendedores periféricos de todo o território brasileiro. Neste ano, de forma inédita, Paris recebe esta semana, na Albert School, a mostra reconhecida pelo slogan “favela não é carência, favela é potência”.
Levantamento do Data Favela, em 2023, apontou que a renda movimentada a partir dos negócios originados nas comunidades supera os R$ 200 bilhões/ano, comprovando o slogan criado por seu idealizador, Celso Athayde. A pesquisa mostrou, também, que 71% das pessoas trabalhadoras que vivem nas favelas são autônomas, 53% dos lares são chefiados por mulheres e 56% dos empreendedores se preocupam com a incerteza em relação à renda.
As edições regionais são uma forma de preparação, nas quais são selecionados dez representantes para participar da edição nacional do evento, que acontece uma vez por ano, em São Paulo. Este processo passa pela apresentação de um pitch de negócios, que é uma exposição concisa e persuasiva de uma empresa, com o objetivo de atrair clientes, investimentos ou parcerias.
O papel da mentoria
Para que empreendedores consigam preparar e evoluir seus negócios, a mentoria se torna parte fundamental do processo. Para iniciarmos essa conversa, criamos uma sessão de mentoria fictícia, entre uma mentora e um empreendedor, baseada em fatos reais com grande recorrência:
- Mentora: Me fala, como você está se sentindo em relação ao evento e qual é sua dúvida quanto ao pitch?
- Empreendedor: Eu tô bem nervoso. Sei que tenho uma boa ideia, mas fico inseguro na hora de falar. Sempre parece que falta algo, que não estou conseguindo convencer de verdade.
- Mentora: Entendo, e o nervosismo faz parte mesmo. O que ajuda a diminuir este sentimento e preparar um bom Pitch é a prática. Me conta em poucas palavras: qual é o seu negócio?
- Empreendedor: Minha ideia é uma plataforma que conecta microempreendedores da periferia a clientes em busca de serviços e produtos locais, promovendo a economia da própria comunidade.
- Mentora: Ótimo! Essa é a essência do seu negócio! Agora precisamos torná-la mais impactante. Lembre-se de que o pitch é sobre criar conexão. E para além da conexão, é necessário trazer em 3 minutos uma linha que informe objetivamente de onde surgiu a empresa, qual o momento atual e para onde ela planeja chegar.
- Empreendedor: Que tal: “Estamos solucionando a falta de visibilidade e acesso aos serviços locais na periferia, conectando microempreendedores a clientes em busca de soluções próximas e de confiança.”
- Mentora: Muito bom! Lembre-se de que são poucos minutos. Traga no início a sua história, no meio os dados de mercado e no final a visão de futuro. Quais dados poderia trazer?
- Empreendedor: Na verdade, eu posso dizer que 80% dos negócios na periferia não têm presença digital, o que limita as oportunidades de crescimento. Nossa solução já ajudou 50 microempreendedores a expandirem o número de clientes em 6 meses.
- Mentora: Perfeito! Isso mostra o impacto real do seu negócio. Agora, para finalizar, qual tipo de investimento precisa? Trazer clareza nesta parte é muito importante, pois existem várias formas de se investir em um negócio, e você deve também estar preparado com números e direcionamentos em caso de ser investimento em dinheiro. Por exemplo: se precisar de equipamentos, precisa saber o valor deles.
- Empreendedor: Busco investimento para o crescimento do negócio, para que possamos alcançar mais comunidades e ampliar o impacto.
- Mentora: Certo! Vamos refletir como podemos elaborar algo assim: “Estamos prontos para expandir e levar essa solução para mais comunidades. Com um investimento de aporte no valor X, podemos escalar essa transformação e criar oportunidades reais para milhares de empreendedores”.
- Empreendedor: Isso parece bem mais direto do que eu estava pensando. Eu estava complicando muito…
- Mentora: O objetivo do pitch é falar do seu negócio de forma simples, direta e envolvente. E a chave é ensaiar bastante. Com isso, chegou a hora de praticar. Vamos nessa?
- Empreendedor: Vamos sim! Mas antes, só uma coisa; às vezes eu fico pensando: será que minha ideia, vinda de um lugar como o meu, tem o mesmo valor que a de quem vem de fora? Isso pesa muito na hora de me apresentar.
- Mentora: Seu lugar de origem é o que torna sua ideia tão única e valiosa. Essa é a sua vantagem competitiva. Não veja como uma limitação, mas como a sua principal força. Só você, com suas experiências e vivências, poderia construir algo assim. Acredite em você!
- Empreendedor: Você tem razão. Vou focar nisso quando estiver falando. Obrigado! Acho que estou mais preparado agora.
- Mentora: E você está mesmo! Agora, continue praticando e lembre-se: o pitch é sobre conectar pessoas ao seu propósito, não apenas ao seu negócio. Ninguém vai saber falar melhor do seu negócio do que você mesmo. Parabéns por ter sido escolhido para representar sua comunidade neste grande evento.
Note que, mais do que uma consultoria técnica, uma dinâmica de cumplicidade se constrói, com os dois personagens combinando valências e agindo para além da construção de um negócio próspero, mas também, com estratégia e propósito. Nesse contexto, a busca por mentoria torna-se não apenas uma ferramenta para o desenvolvimento de competências profissionais, mas também uma oportunidade de fortalecimento da identidade.
A força do Black Money
De acordo com pesquisa promovida pelo Instituto Locomotiva, em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa), 67% das pessoas presentes nas favelas são negras. No Brasil, negócios liderados por pessoas negras movimentam cerca de R$1,73 trilhão por ano na economia, de acordo com pesquisa realizada pela parceria entre RD Station, Inventivos e Movimento Black Money (MBM).
Para a pessoa empreendedora negra, a figura de uma pessoa mentora traz a expectativa de apoio que transcende os aspectos de gestão e inovação. Elas buscam alguém que compreenda suas realidades, valorize suas vivências e ajude a criar estratégias que levem em consideração as particularidades de seus ambientes sociais. A confiança é um elemento essencial aqui, pois a pessoa empreendedora espera que a pessoa mentora a ajude a romper barreiras invisíveis que afetam seu acesso ao mercado.
Mentorear é um movimento de troca, para além do direcionamento que o processo exige. Ao mentorear afroempreendedores, essa ação se torna ainda maior e especial, pois é um encontro entre pares, experiências e vivências em comum que coloca mentor e mentorado frente à oportunidade de se reconhecerem, tomando para si a sensação de que todos nós procuramos: pertencimento.
A partir deste ato de acolhimento, um portal se abre, dando sentido à elaboração de estratégias de desenvolvimento e crescimento da empresa. O processo de mentoria para pessoas empreendedoras negras é uma alavanca para que elas possam exercer o seu protagonismo e construir um futuro que ultrapasse as barreiras impostas pela sociedade.
Como foi dito pela grande ativista, antropóloga, filósofa e professora Lélia Gonzáles, “estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro, do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles.” Para romper com esses estigmas e empoderar a transformação de pessoas, de territórios marginalizados e mostrar ao mundo essa potência, é que se torna indispensável uma iniciativa como a Expo Favela.
Sobre a Expo Favela:
A Expofavela etapa Rio Grande do Sul acontecerá nos dias 28 e 29 de novembro, no Centro de Eventos da PUCRS. Tem interesse em participar? Conheça os quatro perfis:
Se você é uma pessoa empreendedora, ainda dá tempo. Aproveite que as inscrições ainda estão abertas neste link. Mas também é possível participar como pessoa mentora, fazendo sua inscrição pelo site. As outras formas de participação são como pessoa investidora, em que você pode visitar e se conectar com os empreendedores para possíveis oportunidades de negócio, e como visitante, pois a feira é aberta ao público e você pode aproveitar para conhecer toda essa potência existente nas periferias do estado.
A Odabá Associação de Afroempreendedorismo estará presente através de alguns de seus associados, que estarão participando como pessoas empreendedoras, mentoras e avaliadoras.
Nos vemos lá!
Referências: Agência Brasil: Favela cresce e movimenta mais de R$ 200 bilhões
Isto é Dinheiro: A origem mítica e literária do mentor
RD Station: Os 6 principais achados do afroempreendedorismo
Geledes: Por um feminismo plural: o ativismo de Lélia Gonzáles
Dados sobre favelas no Brasil Exame: Favela não é carência, favela é potência
G1:A feira que conecta empreendedores de comunidades com investidores
Raquel Santos (@raqsantos) – Profissional multiplural, técnica em Administração com ênfase em TI, graduanda em Marketing, mentora empresarial, gestora de projetos e Marketing Digital, corretora de Imóveis e membro da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo. Mãe da Camille, filha do Tino e da Irene, irmã do Rodrigo e do Rogério.
Ezequiel Alves é graduado em Comunicação Social, com MBA em Gestão de Projetos, designer de aprendizagem e associado da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo.
Foto da Capa: Divulgação
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