Nem sempre, mas estudar pode deixar marcas emocionais indeléveis. Essas marcas, acredito, darão um jeito de buscar uma transcendência do objetivo original do estudo. O estudado com afeto, por não querer caber só no livro ou na aplicação que dermos a ele, há de requerer outra estética, ou ainda, uma nova ética.
Quando comecei a estudar a noção freudiana pulsão de morte, esbarrei com um ensaio psicanalítico vibrante de um francês, conhecido no meio, chamado Serge Leclaire. Ali ele trazia uma toada um tanto diferente, na qual as pulsões de vida – também chamadas de pulsões de autoconservação – poderiam ser demasiado imperialistas e conservadoras em excesso, ao passo que, a tão mal-falada pulsão de morte – o impulso nosso de destruição de cada dia –, tomava parte em uma raiva que anima a viver. Aquele fogo que mobiliza como eventualmente se diz, no popular: na força do ódio, embora esta seja história para outro momento. O mais importante é o fator criativo que essa mobilização provoca, na transcendência da destruição para a criação.
É olhar para os lados e também ver esse mesmo princípio freudiano em uma inquietante tendência à que repitamos e repitamos, fazendo desse impulso de destruição um excruciante caminho que oscila entre a comédia e a tragédia. Ou ainda, como disse Marx, passando pela farsa. Parece mesmo disso se tratar – uma farsa – quando, na França atual, a extrema direita esteja chegando ao poder. Ou mesmo quando o quase futuro detento Trump se direciona, em intenções de voto, novamente ao comando estadunidense.
Em um artigo recente sobre as eleições da França, Juremir Machado da Silva traz uma consideração concisa, mas com valor de análise, sobre como as redes sociais impulsionam a extrema direita ou a esquerda extremada. Esquecidas pelos grandes veículos e nutridas pelo ex-twitter, os dois pólos vão subindo o tom na disputa de likes. Fora do círculo das mídias tradicionais há pouco ou nenhum espaço para os mornos, os ponderados e os direitosos vestidos de centro. No Brasil, isso representa a morte dos coxinhas, então, só sobraram mesmo os bolsonaristas para onde as tentativas de terceira via terminam enveredando. O que mais pensar?
Não sei, vamos buscando respiros possíveis. Ainda assim, além da minha porção “raiva que anima a viver”, também existe a raiva comum das declarações racistas de Lula de que é difícil encontrar pessoas negras preparadas para o alto escalão do governo. Despreparo ou cálculo? Re-volta! E volta, volta… Terá sido nosso voto apenas um bote salva-vidas mesmo? Era mesmo necessário que Lula acenasse para essa branquitude frustrada por descobrir que escutar Caetano e Chico não faz ninguém menos racista? Nem que seja com raiva, extremadamente, muitos de nós, pessoas negras, já não admitimos que nos sejam condescendentes. Espero que logo logo sejamos mais do que muitos. Que essa seja a nossa criação.
Enquanto isso, o funcionamento dual, mas não binário, da velha máquina freudiana, o aparelho psíquico, ainda segue modelo para algumas desventuras de aqui e de acolá.
[1] Leclaire, Serge. Mata-se uma criança: um estudo sobre o narcisismo primário e a pulsão de morte. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais
Mais textos de Priscilla Machado de Souza: Leia Aqui.