Pessoal, vocês lembram do samba enredo da Grande Rio, campeã do carnaval carioca de 2022? Eu não. Nunca vi, nem comi, eu só ouvi falar. Sei que o título era “Fala, Majeté¹! Sete chaves de Exu”. Ah o Exu, laroyê Exu, que EXU né gente!? Em itálico, letras maiúsculas, grifadas, negritadas: que homem! Opa… peraí… nem gosto disso… kkk… Me distraí! Desculpem e não me abandonem por favor.
Empolgação à parte, o papo é sério: afinal de contas, o que marca o nosso tempo? Aimé Césaire, poeta, dramaturgo, ensaísta e político da negritude, nascido na Martinica, traz esse questionamento atemporal em uma de suas obras.
Diga você pra mim: o que marca nosso tempo? Tecnologias, a revolução industrial, a internet, a inteligência artificial? Sua resposta vai depender muito de quem você é, de onde você veio, de quem são seus pais, seus avós. Mas indiferentemente disso, Aimé Césaire afirma algo irretocável por nenhum de nós até hoje: o que marca o nosso tempo é o colonialismo, com sua violência e seu desvio existencial de continentes inteiros.
Eita, lá vem ela de novo com esses papos de comunista. Peraí, dessa vez não é só de raça e tals. Estou aqui construindo uma tese econômica, tá? Mas Onília, colonialismo nem existe mais, lá de mil quinhentos e bolinha…ixi…mostrei a idade. (Para! Sem risinho).
Acordaí! O colonialismo não veio ao mundo com prazo de validade, não, a saga continua! Me acompanha, por favor. O colonialismo é um sistema opressor que chega chegando e toma conta de tudo de assalto, desde recursos naturais, matérias-primas, corpos e almas devastando a terra onde pisa e levando tudo de bom, belo e verdadeiro (ouro, pau-brasil…) para o mundo/corpo civilizado (branco, europeu, cristão). O colonialismo é violência, opressão e apropriação de riqueza em estado bruto. Te lembra alguma coisa? Tcharam! Olha o capitalismo aí, gente! Ouça-se em voz de intérprete de escola de samba: alô, bateria! (Para! Sem risinho).
Essa bagaça chamada capitalismo não só mantém como potencializa em grau mil o estado de coisas “conquistadas” no colonialismo. O capital serve só a si mesmo, aos seus propósitos de manter a opressão que lhe é inerente. Frantz Fanon afirma que o colonialismo é violência em estado bruto, que se configura antes de qualquer coisa em uma guerra. Guerra sangrenta que se perpetua pelas ruas e vielas da nossa sociedade diuturnamente. Ainda estamos em guerra.
Ok, mas eu sou uma otimista! Essa guerra que tenta nos eliminar da existência, através de políticas e leis de branqueamento de país, sofre uma derrota toda vez que é arriado um despacho numa esquina. Perde batalha atrás de batalha enquanto sopramos cachaça ou montamos uma mesa em homenagem aos nossos seres divinizados, os orixás. Porque não apenas nossos corpos resistem como nosso sagrado está vivo e pulsante.
E mais: vocês lembram do que estamos falando aqui? Estou falando de economia, de resolver problemas como fome, miséria, violência. E, peço desculpas por trazer esses temas sensíveis e doloridos, mas é através do resgate de coisas que podemos nos curar como sociedade.
E eu conheço um lugar onde tem respostas para os problemas do nosso presente. Esse lugar chama-se Encruzilhada. Lugar de Invenção de possibilidades, a materialização da manifestação de um princípio explicativo de mundo. INOVAÇÃO vem da encruza, do lugar de infinitas possibilidades, de caminhos abertos, de criação e recriação de coisas. Lugar de liberdade.
A Encruzilhada é corporificada em ESÚ (do yorubá “Esfera”), aquele que não tem início nem fim, que nasceu antes do nascimento. Presente na cultura yorubá e em diversos povos do continente africano, foi transplantado através do Atlântico para todas as Américas, apesar do esforço dedicado e ferrenho para a desconstrução desse mito pelos europeus e vive potente e desafiador até os dias atuais.
Perái. Passou pela sua cabeça aí, num relance, a palavra “diabo”? Ah, para! Vá pro diabo que te carregue, tchê! #Eubrabona&SemRisinho.
Você não pode explicar laranjas através da morfologia das maçãs, né!? Então, por que joga uma visão eurocêntrica sobre a cultura africana pré-colonial!? EXU não é diabo/demônio ou qualquer coisa dita por um sistema social que precisa personificar o mal em uma necessidade de autoafirmação doentia. Como se não fôssemos, todos, bons e maus ao mesmo tempo. Como se não fôssemos todos seres humanos. Humanidade tem cheiro, tem cor e tem sabor. Não se prende a definições limitantes. #FreudExplica
Só vou falar uma vez: EXU (para além da leitura como orixá, que cada sistema religioso de matriz africana explica conforme seus dogmas) é um princípio explicativo de mundo que versa sobre a existência, sobre os acontecimentos, a comunicação, a linguagem, a invenção, a corporeidade e a ética. A tentativa de transformar ele nesse daí que tu pensaste faz parte do mesmo rol de coisas que usaram para tentar eliminar nossos corpos a chibatadas. A guerra lembra. Resistir. Existir. Descobrir tudo isso é mais uma vitória.
E a tese econômica que sempre reforço é que, o Brasil é desde sempre a p0$rr@ do país do futuro. O futuro potencialmente não existe, acordem!
Na cosmovisão africana, o tempo não é uma esteira que anda para a frente em busca do paraíso, da justiça social, da equidade e do “felizes para sempre”. Trazendo para uma realidade afro-brasileira, o que importa é o presente. Estamos todos convocados a viver com atenção plena ao hoje. E mais: o que existe além desse presente maravilhoso chamado hoje é um longo passado, um espaço de infinitas possibilidades experiências, um campo de coleta prenhe de aprendizado e saber.
Eu não estou falando de comunismo, estou falando de Ubuntu. Algo que se refere a humanidade com os outros. Ubuntu significa generosidade, solidariedade e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os seres humanos. Porque o que tem de gente batendo cabeça no terreiro é algo! Não é à toa que o Rio Grande do Sul, com seus 22% de negros, tem o maior número de casas de terreiro do país. Bater cabeça pode, mas quando falamos de grana, galera que se acha rica, pensa que estamos falando dos trocadinhos debaixo do colchão delas… Ah, não enche! O papo é com os 1% mais rico, herdeiros coloniais que ainda subjugam o mundo. Vocês sabiam que tem um dado de 2017 que dizia que 0,5% dos brasileiros concentram quase 45% do PIB².
“Exu matou o pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje!” Olhando sobre a ótica do tempo e do espaço, os domínios de EXU se conectam aos fenômenos econômico-sociais: chega de colonialismo. Bora aprender, gente, bora praticar uma economia mais inovadora e inclusiva de verdade, aplicando uma pedagogia de Encruzilhada, que mexe com tudo, desorganiza e reorganiza. Inovadora, livre e multifacetada. Porque existimos, porque estamos aqui com nosso simbólico, com nosso mito, com nosso princípio explicativo de mundo. Um princípio explicativo de mundo que é coletivo, inclusivo, sensível e que tenho certeza de que produzirá riqueza, bem-estar e protagonismo.
Não existe coincidências: toda a expressão de orgulho nacional vem da cultura negra, sejam nossos títulos mundiais esportivos, sejam as expressões musicais, seja um Exu deslumbrante em um desfile de carnaval. Que paremos de fingir consternação com a miséria, com as crianças pedintes no sinal, por favor. Tem outras formas de fazer.
Que abracemos nossa identidade nacional, preta, parda, indígena e branca ou sigamos como estamos, mas só anotem aí: não existe desenvolvimento econômico saudável e pujante deixando mais de 50% da população apartada do capital. Ou, em linguagem mais direta: “Ninguém sustenta duas caras por muito tempo, ou a máscara cai, ou Exu arranca.”
E segue a síndrome de vira-latas, aguardemos o paraíso, o devir.
Laroyê Esú.
¹Majestade
²Fonte: Oxfam
Foto da Capa: Desfile da Grande Rio / Reprodução Youtube