No último final de semana, minha casa ficou mais de 48 horas sem energia elétrica. Algumas comidas estragaram na geladeira, precisamos ir até a casa da minha mãe (a meia hora de carro de distância) para tomarmos banho quente e carregar os celulares e andamos muito mais de carro pela cidade do que costumamos fazer aos sábados e domingos. Depois que voltou a luz, acabou a água da caixa d’água, e passamos o domingo com energia, mas ainda sem banho (nem mesmo frio) ou possibilidade de lavar a louça. A situação se normalizou apenas no final da terça-feira, quatro dias depois da passagem da tempestade. Foi desagradável, incômodo, cansativo. Mas só isso.
Por conta do mesmo ciclone extratropical que gerou esses contratempos à minha vizinhança e outras na capital gaúcha, região metropolitana e leste do estado, 15 pessoas morreram, estradas ficaram bloqueadas e muita gente perdeu tudo o que tinha pela enxurrada. Quatorze municípios gaúchos decretaram situação de emergência e aguardam o socorro das autoridades. E mesmo com todos sabendo de que tudo isso se desenrolava bem perto de nós, testemunhei pessoas mais do que indignadas com o “serviço de má qualidade” prestado pelas companhias de serviços públicos, argumentando que pagavam impostos demais para passarem 48 horas sem luz!
Nesses momentos, costumo me questionar de onde foi que parte do povo da classe média brasileira para cima tira essa presunção de que tem direito a tudo imediatamente e a qualquer momento, independentemente de catástrofes naturais, muitas vezes na base do grito. É verdade que nos faltam serviços básicos de qualidade. Educação, saúde e segurança, especialmente, ficam a dever ao ponto de que grande parte de quem tem uma renda acima da média paga por serviços prestados por empresas privadas, já que aqueles oferecidos por meio da arrecadação dos impostos que pagamos nem sempre nos atendem a contento. Agora, exigir aos brados que após uma tormenta praticamente sem precedentes os funcionários das concessionárias nos concedam preferência – desconsiderando a existência de situações mais graves e urgentes – é, no mínimo, infantil.
Quando no Exterior, em locais que costumam enfrentar eventos devastadores, achamos civilizado e tratamos de termos nosso próprio kit de primeiros socorros no porta-malas do carro ou dentro da hospedagem. Por que não fazemos o mesmo quando na nossa terra natal? Lendo algumas mensagens do grupo de mensagens do bairro durante os dois dias sem energia, mas a salvo, dentro de uma casa seca e inteira, não consegui deixar de me indignar com a indignação de pessoas que se achavam no direito de ir ao encontro dos trabalhadores que enfrentavam os riscos inerentes a mexer em árvores e postes caídos ininterruptamente “para botar uma pressão neles”. Oferecer um café quente? Agradecer pelo esforço? Nada! A ideia era pressionar por uma solução. É ignorância sobre a complexidade da gestão de tragédias ou apenas egoísmo?
Fala-se muito da falta de empatia. E em relação a tudo e qualquer coisa. Mas na hora do aperto, infelizmente, o que vemos é até mesmo gente que prega “gratiluz e amor ao próximo” querendo passar por cima do amiguinho pra voltar a ter internet em casa antes dos outros. Farinha pouca, meu pirão primeiro? Sem mudar essa mentalidade, o risco que corremos é o de acabarmos todos famintos.