Na música “O Bêbado e o Equilibrista” (Aldir Blac/João Bosco), Elis Regina cantou:
“Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar”
Este é mais ou menos o ponto que estamos na elaboração da Lei das Feiras Ecológicas de Porto Alegre (RS).
Dentro de uma perspectiva de construção democrática e participativa desta importante legislação, representantes das feiras eco – que ocupam ruas públicas da capital dos gaúchos (são sete hoje) – e a sociedade civil se uniram em torno do Conselho de Feiras Ecológicas de POA (CFMPOA) para levantar as demandas de quem vive o dia a dia destes espaços há décadas. Foram anos de seminários e reuniões ampliadas, debates e análises do que se busca para ter segurança jurídica nestes empreendimentos sociais.
Legalmente falando existiam dois caminhos a seguir: o envio da proposta da Lei via poder Executivo ou a elaboração de uma Lei de Iniciativa Popular levada diretamente para a Câmara de Vereadores. Em conversas iniciais com a Prefeitura, a Secretaria Municipal de Governança e Articulação Política (SMGOV) assumiu esta responsabilidade.
Mas o início desta caminhada não foi bom. Dificuldades de diálogo e na aceitação de uma construção coletiva balançaram a corda bamba. O reequilíbrio veio quando representantes deste grande movimento da sociedade civil conversou diretamente com aquele que ela elegeu como seu representante.
Assim está nas mãos do prefeito de Porto Alegre, desde o dia 31/08, um conjunto de propostas à Lei das Feiras Ecológicas da capital geradas no âmbito do CFEMPOA. Agora o momento é de criar espaços de construção conjunta e permanentemente dialogada entre as partes para que o resultado final seja uma Lei que realmente contemple as reais necessidades destes espaços não só de acesso a um alimento saudável, livre de agrotóxicos, mas ainda de debate e construção de uma importante consciência socioambiental. E também que seja respeitada uma história com mais de 30 anos de gestão participativa e democrática que culminaram no que hoje representam as feiras ecológicas de Porto Alegre/RS.
A importância deste momento é que as unidades de feiras ecológicas (UFEs) se encontram até hoje, no campo legal, fragilizadas por estarem atreladas à lei dos ambulantes (Lei 10.605/2008) e resoluções e decretos municipais. Logo, uma legislação específica para este segmento é uma demanda antiga.
O que se busca é uma Lei que normatize, organize e regre as relações de produção e consumo nos espaços públicos da cidade. Mas que também considere questões que vão muito além destas, como as relações éticas, de gênero, entre outras. Desta forma será possível seguir com o exitoso exemplo de autonomia e autogestão que as UFEs da capital gaúcha exportam para o Brasil e o Mundo. Tanto que temos na cidade duas feiras ecológicas (das mais antigas) consideradas por lei estadual (Lei 416/2015) como de “relevante interesse cultural do Rio Grande do Sul”.
A documentação entregue ao prefeito foi dividida em eixos temáticos construídos a partir de seminários e reuniões ampliadas para este fim realizadas pelo CFEMPOA desde 2018 (com pausa entre 2020 e 2022 por causa da pandemia do COVID-19) com ampla participação da sociedade. São estes eixos:
- O papel e atribuições das UFEs – que fala da forma de gestão das feiras ecológicas prezando pela construção histórica da autonomia (responsabilidade pela gestão dentro dos parâmetros legais) e autogestão (organização do funcionamento de cada UFE conforme seu regimento interno).
- O papel e atribuições do CFEMPOA – que é composto por uma representação colegiada formada por feirantes de todas as UFEs que ocupam espaços públicos, seus parceiros(as) urbanos (consumidores/as) e poder público.
- Critérios para admissão, suspensão e exclusão de feirantes.
- Critérios para inclusão de novos produtos de produtores que já integram as UFES.
- Sucessão familiar das bancas – regrando este importante processo de continuidade das bancas nas UFEs uma vez que as propriedades de produção agroecológica são oriundas e organizadas pela agricultura familiar.
- Código de conduta – por considerar que as UFEs são muito mais do que espaço de comercialização, devendo zelar por princípios da agroecologia como respeito ao próximo, reciprocidade e abolindo todo o tipo de violência, ilegalidade e preconceito.
- Papel do CAD (Centro Agrícola Demonstrativo) – instância da Prefeitura Municipal de Porto Alegre que historicamente trabalha com as UFEs, detendo no seu corpo técnico acumulado de conhecimento e confiança que facilita o desenvolvimento das feiras ecológicas da capital gaúcha.
É muito importante que nós, mulheres e homens do campo e da cidade, que vivenciamos o dia a dia das feiras ecológicas de Porto Alegre, possamos atuar de forma conjunta e democrática em todos os momentos deste regramento. Esta é a fórmula ideal para ter uma lei e posteriores resoluções de verdade.
Elson Schroeder é jornalista da Associação Agroecológica, ativista e integrante do Spin Orgânicos do POA Inquieta
Foto da Capa: Anahi Fros / Divulgação