No Brasil, infelizmente, crianças continuam a ser assassinadas por pais, mães ou amantes relacionados a eles por vingança, ou até mesmo por madrastas ou padrastros com a conivência dos pais ou das mães, a depender do caso. De qualquer sorte, a mãe ou o pai inocente que perde um filho em uma situação trágica como essa levará para sempre a dor e a tristeza imensa que é perder um filho, ainda mais em uma situação como essa.
Saliento abaixo trechos de notícias de casos famosos e recentes ou que esperam julgamento no Brasil e até nos Estados Unidos:
- “Mulher mata filho de 5 anos e manda mensagem de voz ao pai do menino: ‘Não temos mais um filho’. Cedar Sarten, de 43 anos, usou um peso de 9kg no crime brutal”, conforme publicado no site do Extra Globo, 09/11/2024;
- “Uma mulher de 38 anos foi presa nesse domingo como suspeita de matar um menino de 9 anos, filho do amante, em Santo Ângelo, nas Missões. Ela teria confessado o crime em depoimento à titular da Delegacia de Polícia da cidade, Luciana Cunha da Silva. Segundo a suspeita, o assassinato teria sido cometido em um “momento de loucura”, conforme publicado no site do Correio do Povo em 21/01/2015;
- “Júri do pai acusado de matar 4 filhos para se vingar da ex deve contar com mais de 20 testemunhas; saiba quando começa.
Crime aconteceu em dezembro de 2022 em cidade da região metropolitana”, conforme publicado no site o abcmais.com, em 09/02/2025”. - “Pai é acusado de ceifar a vida dos próprios filhos como vingança à ex-esposa no RS. Publicado em 18 de março de 2025 às 16h33.
Polícia aguarda resultado da perícia para confirmar se o pai, de modo deliberado, ceifou a vida de suas próprias crianças como vingança à ex-esposa no Rio Grande do Sul. Cenário inicial indica premeditação. Mãe dos gêmeos contava com uma medida protetiva contra o ex-marido”, conforme publicado em 18 de março de 2025 nesse site. - “O corpo de Gabriel Santos Miranda foi localizado no último sábado (15) em uma área de mata na zona rural de Itamarandiba. Desde então, policiais, bombeiros e populares tentam encontrar Geraldo. Ao entrar em contato com os parentes para falar sobre o assassinato do menino, ele disse que agiu por não aceitar o término do casamento”, conforme publicado no site do g1.globo, em 19/03/2025.
- “O indivíduo, identificado como Tiago Ricardo Felber, confessou o crime às autoridades e afirmou que a motivação seria uma vingança contra sua ex-esposa. Em sua confissão, o homem relatou que havia tentado esganar a criança um dia antes, mas não conseguiu e decidiu jogá-lo no rio, com a intenção de que o menino se afogasse”, conforme publicado em 26/03/2025, no site da CNN Brasil.
- “Viviane Leonarda dos Santos Oliveira, de 38 anos, a mulher suspeita de matar os dois filhos, Moisés de Oliveira, de 12 anos, e Isadora dos Santos Oliveira, de 18, ao servir-lhes comida com chumbinho no final do ano passado, está sendo indiciada pelos dois crimes e mais agravantes. Ela teria agido para se vingar do marido. O caso foi registrado em Belo Horizonte”, conforme publicado no site do Estado de Minas, em 02/04/2025.
- “Caso Henry Borel: missa marca 4 anos de crime, julgamento segue sem data – SBT Brasil.
O laudo de necropsia indicou que a criança sofreu 23 ferimentos pelo corpo e a causa da morte foi hemorragia interna e laceração hepática. Monique Medeiros e Jairinho foram presos no dia 8 de abril de 2021. Os dois permanecem presos por tortura e homicídio qualificado contra criança. Em novembro de 2022, a justiça determinou que Monique e Jairinho vão a júri popular por esse crime. A data do julgamento ainda não foi marcada, mas ambos negam essa acusação”, conforme notícia do SBT News. - “Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá estão juntos novamente”, diz ex-delegado.
Eles têm dois filhos juntos, hoje com 18 e 20 anos, que seriam irmãos mais novos de Isabella, por parte de pai”, conforme publicado em 12/02/2025, no site do terra.com, e conforme publicado, em 30/12/2024, no site do CNN Brasil, “Eles foram condenados a 30 e 26 anos de prisão, respectivamente, pela morte da filha dele, Isabella, em 2008, e cumprem pena em regime aberto”. - Caso Bernardo: madrasta condenada pela morte de enteado passa para regime semiaberto, decide Justiça.”
Graciele Ugulini foi condenada em 2019 pela morte de Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos. Crime aconteceu em Três Passos, em abril de 2014”, conforme publicado pelo g1 em 17/4/2025.
Trouxe apenas trechos de matérias que tiveram muita repercussão, mas fiquei impressionado também ao ver como apareceram notícias referentes a assassinatos de bebês recém-nascidos, pelas mães, tipificados então como “infanticídios”.
Algo que me chama atenção é que os autores desse tipo de violência pertencem a mundos econômicos e sociais bastante distintos, a loucura ou maldade não escolhem bolso, profissão, local geográfico, sexo biológico ou raça. O ponto em comum é que, quando o pai, a mãe, padrasto ou madrasta cometem esse tipo de assassinato, eles arrasam com a vida dos outros pais e familiares das vítimas.
Lendo as leis brasileiras, isso não me parece ser causado pela falta de uma boa legislação. Veja-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, sendo que se considera criança, para os efeitos do ECA, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Essa legislação determina que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata o ECA, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Os direitos enunciados no ECA aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
Ressalte-se que, de acordo com o ECA, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Essa garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Ademais, além de outras várias normas, o ECA dispõe que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
A monstruosidade cometida contra o menino Henry Borel foi tão grande que, em 24 de maio de 2022, foi promulgada a Lei nº 14.344, de 24 de maio de 2022, também chamada de Lei Henry Borel.
Essa lei, dentre diversas coisas, determina que na hipótese de ocorrência de ação ou omissão que implique a ameaça ou a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Outrossim, que no atendimento à criança e ao adolescente em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I – encaminhar a vítima ao Sistema Único de Saúde e ao Instituto Médico-Legal imediatamente;
II – encaminhar a vítima, os familiares e as testemunhas, caso sejam crianças ou adolescentes, ao Conselho Tutelar para os encaminhamentos necessários, inclusive para a adoção das medidas protetivas adequadas;
III – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato o Ministério Público e o Poder Judiciário;
IV – fornecer transporte para a vítima e, quando necessário, para seu responsável ou acompanhante, para serviço de acolhimento existente ou local seguro, quando houver risco à vida.
Destaca-se que essa lei determina que, verificada a ocorrência de ação ou omissão que implique a ameaça ou a prática de violência doméstica e familiar, com a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da criança e do adolescente, ou de seus familiares, o agressor será imediatamente afastado do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima:
I – pela autoridade judicial;
II – pelo delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca;
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
Ressalte-se que o Conselho Tutelar poderá representar às autoridades acima referidas para requerer o afastamento do agressor do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima. Nas hipóteses previstas nos itens II e III acima, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, bem como dará ciência ao Ministério Público concomitantemente. Quando houver risco à integridade física da vítima ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
Com relação às medidas protetivas de urgência, essa lei determina que, recebido o expediente com o pedido em favor de criança e de adolescente em situação de violência doméstica e familiar, caberá ao juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas:
I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II – determinar o encaminhamento do responsável pela criança ou pelo adolescente ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis;
IV – determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.
As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, da autoridade policial, do Conselho Tutelar ou a pedido da pessoa que atue em favor da criança e do adolescente.
Outrossim, as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, o qual deverá ser prontamente comunicado. Elas serão aplicadas isoladamente ou cumulativamente e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
Ademais, poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, ou a pedido da vítima ou de quem esteja atuando em seu favor, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da vítima, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Frise-se que, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Entretanto, o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como decretá-la novamente, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Ela também determina que o responsável legal pela criança ou pelo adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, desde que não seja o autor das agressões, deverá ser notificado dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Art. 19. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão, após sua concessão, imediatamente registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso instantâneo do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos órgãos de segurança pública e de assistência social e dos integrantes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.
Existem também medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor. Caso constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a criança, o juiz poderá determinar ao agressor, de imediato, em conjunto ou separadamente, a aplicação das seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – a suspensão da posse ou a restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente;
II – o afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima;
III – a proibição de aproximação da vítima, de seus familiares, das testemunhas e de noticiantes ou denunciantes, com a fixação do limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
IV – a vedação de contato com a vítima, com seus familiares, com testemunhas e com noticiantes ou denunciantes, por qualquer meio de comunicação;
V – a proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da criança ou do adolescente, respeitadas as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI – a restrição ou a suspensão de visitas à criança ou ao adolescente;
VII – a prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VIII – o comparecimento a programas de recuperação e reeducação;
IX – o acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Essas medidas não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem, e todas as medidas devem ser comunicadas ao Ministério Público.
Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
Como medidas protetivas de urgência à vítima, essa lei determina que poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas, determinar:
I – a proibição do contato, por qualquer meio, entre a criança ou o adolescente vítima ou testemunha de violência e o agressor;
II – o afastamento do agressor da residência ou do local de convivência ou de coabitação;
III – a prisão preventiva do agressor, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência;
IV – a inclusão da vítima e de sua família natural, ampliada ou substituta, nos atendimentos a que têm direito nos órgãos de assistência social;
V – a inclusão da criança ou do adolescente, de familiar ou de noticiante ou denunciante em programa de proteção a vítimas ou a testemunhas;
VI – no caso da impossibilidade de afastamento do lar do agressor ou de prisão, a remessa do caso para o juízo competente, a fim de avaliar a necessidade de acolhimento familiar, institucional ou colocação em família substituta;
VII – a realização da matrícula da criança ou do adolescente em instituição de educação mais próxima de seu domicílio ou do local de trabalho de seu responsável legal, ou sua transferência para instituição congênere, independentemente da existência de vaga.
A autoridade policial poderá requisitar e o Conselho Tutelar requerer ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente.
O juiz poderá determinar a adoção de outras medidas cautelares previstas na legislação em vigor, sempre que as circunstâncias o exigirem, com vistas à manutenção da integridade ou da segurança da criança ou do adolescente, de seus familiares e de noticiante ou denunciante.
Importante destacar que caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, quando necessário:
I – registrar em seu sistema de dados os casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
II – requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
III – fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à criança e ao adolescente em situação de violência doméstica e familiar e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas.
De uns anos para cá, vem sendo discutida no Brasil a chamada “violência vicária”. Considera-se violência vicária aquela decorrente de gênero, na qual os filhos são alvo de agressões para atingir a mulher. A palavra “vicária” vem do latim e significa “substituto”. Assim, o agressor cometeria violências contra os filhos para indiretamente atingir as mães.
Fico muito incomodado com uma lei que estabeleça direitos desiguais entre as mulheres e homens, isso reforça ainda mais a desigualdade. Nesses casos de violência indireta contra os filhos, geralmente crianças, considero até inconstitucionais medidas que protejam as mães e seus filhos e não protejam da mesma forma os pais e seus filhos, pois a Constituição Federal tem como princípio a igualdade entre os filhos. Por qual razão os filhos ameaçados pelas mães mereceriam menor proteção? Não é o gênero que determina o caráter, o discernimento, a bondade ou maldade de um ser humano. Infelizmente, o mundo está cheio de assassinos e assassinas, homens violentos e mulheres violentas, e os presídios para ambos os sexos estão cada vez mais lotados. Que se pense mais nos filhos ao se propor novas leis protetivas, eles deveriam ter prioridade.
Chego a supor que mesmo que o ECA fosse aplicado “com eficiência máxima” por toda a sociedade, pela administração pública, judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselhos Tutelares e pela polícia, mesmo assim, infelizmente haveria crimes como esses, ainda que em menor escala, pois são cometidos por pessoas que provavelmente estejam fora de si, tenham alguma doença mental ou psicopatia, ou que até mesmo conscientemente deixem seus filhos expostos a monstros por dinheiro. Assim, os familiares das crianças, os amigos dos envolvidos, a sociedade, os conselhos tutelares, o ministério público, as polícias e o judiciário precisam cada vez mais estar de prontidão para agir com celeridade e evitar que esses crimes hediondos continuem a acontecer. Se você presenciar algo que possa sinalizar que uma criança sofre maus tratos ou está em situação de risco, denuncie para a polícia, para os conselhos tutelares ou para o Ministério Público. Maus tratos geralmente antecedem a esse tipo de assassinato.
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Foto da Capa: Gerada por IA.