Eu estava num churrasco e ouvi uma pessoa dizer que apanhou muito dos pais quando criança e isto lhe ensinou o que é certo e a ser uma pessoa correta. A conversa continuou e ela confessou que usa o “espancamento pedagógico” nos seus filhos para eles aprenderem a respeitar os pais. Dado que o defensor “desta tese” já tinha passado da conta na cerveja, achei melhor fazer de conta que não tinha ouvido e conversar com a pessoa do lado sobre outro assunto. Eu fiquei com aquela fala na cabeça e algum tempo depois conheci o trabalho do terapeuta Renato Caminha que diz que, ao longo de anos de exercício da profissão, nunca recebeu alguém no seu consultório que dissesse: “Eu não apanhei e estou aqui porque sinto falta da punição física”.
Os nossos pais não tinham conhecimento e as ferramentas que temos hoje para educar nossos filhos, portanto é compreensível que, diante das suas frustrações e de situações em que não soubessem como lidar com as necessidades das crianças, que usassem do espancamento ou do medo para controlar seus filhos. Assim se popularizou a palmada na bunda, o uso da cinta, a vara de marmelo, tapa na cara e outras formas mais violentas. A agressão física tinha um determinado propósito. Para outro tipo de controle, utilizava-se de historinhas “inofensivas” como a do bicho papão. Quem nunca ouviu alguma história amedrontadora daquelas “se você não fizer isto, vai acontecer tal coisa”? Os danos psicológicos talvez fossem maiores do que palmada na bunda, mas talvez nem aquela criança, quando chegou a idade adulta, descobriu que a sua insegurança e suas fobias estivessem associadas com as “brincadeirinhas” que ela sofreu na infância.
Enfim, a educação de filhos é um processo desafiador. Como reação ao que acontecia no passado, lá pela década de 70 surgiu um movimento de desconstruir a educação infantil, que resultou mais tarde no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que alterou a relação dos pais e professores com as crianças e adolescentes. Em alguns casos, fomos do “8 ao 80” e criamos poderosos chefinhos. Podemos dizer que hoje vivemos os dois extremos, a realidade das crianças que sofrem algum tipo de violência ou que não recebem a atenção devida atenção dos pais, e no outro extremo, a das crianças que não conhecem limites.
O desafio é encontrar o limite, ou seja, até onde podemos ser tolerantes para permitir o desenvolvimento das crianças para que desenvolvam o seu potencial criativo e questionador? Colocar o limite é deixar claro o que não pode ser feito e as consequências se a regra for descumprida. O mais difícil é ter a coragem de cumprir a “punição” que foi anunciada, pois se isto não acontecer, não haverá mais limite.
O psicólogo Renato Caminha já publicou alguns livros em que questiona os pais se eles realmente querem ter filhos, se cabe um filho na sua vida? Nos dias de hoje, com algumas exceções, dá para dizer que os pais podem decidir ter ou não filhos. Então, ter filhos deve ser um ato consciente e deve acontecer quando os pais se sentirem preparados para recebê-lo.
No seu livro “Mitos da Parentalidade – livrando os pais da culpa infundada”, Renato Caminha diz que o dedo da sociedade sempre aponta para os pais por qualquer comportamento julgado inadequado dos seus filhos. Se está triste, é falta de amor. Se é agitado, é porque os pais não deram limites. Se bateu no coleguinha, fez birra em público, é porque a sua família deve ser desordenada e agressiva. Os pais vão sentir culpa! Para enfrentar esta situação, o Renato sugere uma escola para pais, para que eles não sigam “criando filhos na base do palpite e da experiência, nem sempre bem-sucedida, dos mais velhos”.
Parece claro, se os valores mudaram, precisamos rever criticamente o que ainda serve da educação que recebemos dos nossos pais. Quero tomar emprestado este parágrafo do livro Mitos da Parentalidade: “Não há nada de errado em cometer erros! Há sim grave falha quando não conseguimos ser empáticos e autorreflexivos o suficiente para tentar reparar os possíveis danos que tenhamos cometidos por nossos equívocos”. O importante é mostrar aos filhos que os pais poderão, em algum momento, perder a paciência, pois são humanos, mas que os amam e que sempre querem o melhor para os seus filhos. Quanto melhor os pais entenderem estas relações e menos culpa sentirem, mais saudável serão as suas relações com os filhos.
Referência:
– Mitos da parentalidade – livrando os pais da culpa infundada – Renato Caminha
– Agradecimentos à psicóloga Gisele Queiroz pela entrevista concedida @psi.giselequeiroz