O Território, um filme que registra o que está acontecendo com Terras Indígenas e Unidades de Conservação, entrou ontem, dia 8 de setembro, em cartaz nas salas brasileiras. A película aborda o contexto dos conflitos de terra em território indígena na Amazônia brasileira, mostrando tanto o lado dos nativos quanto o dos colonos que estão ocupando as áreas.
Ivaneide Bandeira Cardozo, mais conhecida como Neidinha Suruí, conta que o processo de elaboração do filme levou cerca de três anos e meio. “Vivemos um tipo de big brother, a equipe acompanhou nossa rotina’. O Território foi cocriado com a comunidade Uru-eu-wau-wau, que vive em Rondônia. Ela é uma das protagonistas do documentário que exibe cenas reais e expõe lados que dificilmente temos noção de como acontece.
O filme está fazendo grande sucesso no exterior, foi produzido por Alex Pritz e adquirido pela National Geografic. Estive na sessão para convidados, em Brasília, na segunda, dia 5. Não quero e não posso dar spoiler, pois entendo que todo mundo deve conferir o trabalho que evidencia a luta dos indígenas e também de quem acredita que eles já têm terra demais. Atualmente a invasão das TIs tem gerado impactos, inclusive com assassinatos de indígenas de diferentes etnias. A etnia Guajajara, por exemplo, teve dois de seus integrantes mortos na madrugada de sábado, dia 3 de setembro. Entre 2006 e 2022, já foram 26 assassinados na TI Arariboia, no Maranhão. No outro dia, 4 de setembro, Gustavo Silva da Conceição, Pataxó de apenas 14 anos de idade, foi assassinado durante um violento ataque contra uma retomada da TI Comexatibá, no extremo sul da Bahia. Além de Gustavo, outro indígena de 16 anos foi ferido no braço por um disparo de arma de fogo.
Neidinha entende que os criminosos agem porque tem certeza de que não vai dar em nada se invadirem áreas protegidas ou de povos originários porque o governo está do lado deles. Em Rondônia, por exemplo, a Reserva Extrativista Jaci Paraná e o Parque Estadual de Guajará Mirim, o governo do Estado, em vez de tirar os invasores, propôs tornar legal o ilegal. Dias atrás, um indígena que estava na casa da ativista foi atacado e espancado por três indivíduos assim que se afastou do portão ficando fora do raio de visão das câmeras. Ele foi encontrado desmaiado na estrada, muito ferido, até que uma pessoa que passava o chamou a Samu que o levou para o hospital. Ela hoje vive cercada de seguranças, anda de carro blindado e vários esquemas de segurança precisaram ser instalados em sua residência.
Para ela, regularizar o crime é inadmissível. Filha de seringueiro, ela tem uma longa trajetória de defesa desses povos. Com 64 anos, acredita que já nasceu ativista. Cresceu dentro de território Uru-eu-wau-wau (naquele tempo a TI não tinha sido homologada), quando seu pai foi seringueiro. Saiu de lá aos 12 anos para estudar na cidade. Aos 25, casou-se com Almir Suruí, viveu na TI 7 de Setembro por 22. Ainda trabalhou na Funai e fundou a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé em novembro de 1992. Passou a maior parte da vida se dividindo entre os Paiter Suruí e os Uru-eu-wau-wau.
Mas se você que me lê tem alguma pontinha de dúvida sobre a complexidade da situação dos povos originários e porque muitos estrangeiros estão preocupados com a situação no Brasil, vou tentar explicar pontos relevantes desse contexto. Há muitos argumentos para a manutenção da floresta em pé. Mas vou me deter em apenas alguns. A Amazônia precisa ser preservada porque é de lá que vem boa parte da chuva que cai no Brasil. Mas o impacto da maior floresta tropical do mundo não se dá só aqui. Por isso que muita gente que sabe o que isso significa está apavorada. Defender a integridade da Amazônia é defender os ciclos de vida do planeta.
Atualmente cerca de 20% desse bioma no Brasil, que é extremamente diverso, com distintos ecossistemas, já virou pasto, plantações de soja entre outras coisas. Se o ritmo de desmatamento continuar, a Amazônia pode alcançar o ponto de não retorno. Ou seja, poderá deixar de cumprir importantes serviços ambientais, como não produzir mais a quantidade necessária de chuva para outras partes do continente.
Isso sem falar na extinção de espécies que se quer foram descobertas pela Ciência. O Brasil é o país de maior biodiversidade do mundo, mas é um dos que menos estuda a sua própria riqueza natural. A bioeconomia poderia proporcionar muitos dividendos para o país com produtos de matérias-primas que apenas nós, brasileiros, dispomos. Mas para isso acontecer, é preciso unir esforços de vários lados, principalmente do governo.
Com o avanço das pesquisas, foi descoberto que os indígenas foram responsáveis pelo plantio dessa grande extensão de floresta. Há milhares de anos diferentes etnias vem manejando as árvores. Eles precisam de grandes áreas para justamente viver da caça, da pesca, do extrativismo. Hoje, existem aproximadamente 200 Uru-eu-wau-wau e 2000 Paiter Suruí. Resumindo: a humanidade precisa dos povos indígenas para a manutenção sustentável da floresta. Além de merecerem existir (é uma questão ética, no meu entendimento, pois todas as culturas devem ser respeitadas), eles têm sabedoria milenar ancestral com o conhecimento de muitas coisas que se quer imaginamos.
Como descendente de italianos, alemães e portugueses que chegaram no Brasil há um par de séculos e olhe lá, vejo que muita gente acredita que os povos indígenas deveriam deixar de lado suas tradições e passar a viver como um morador de cidade. Mas daí eu indago: isso seria bom para o planeta, para a sociedade e para eles? Por que um punhado de gente deve decidir o que é melhor para outros povos que estão vivendo em harmonia com a natureza há milhares de anos?