Esta semana eu rolava o feed do Instagram e o algoritmo, que me conhece mais do que eu mesma, mostrou-me uma postagem com fotos dos campos de tulipas na Holanda neste período, que é o tempo deles de florescer.
Devo dizer que eu não me considero uma sonhadora, muito menos uma planejadora de sonhos a serem realizados.
Mas diante daquelas lindas fotos eu vi que sim, eu tenho um sonho: conhecer os campos de tulipas da Holanda.
Como ainda é apenas um sonho, resolvi só compartilhar a minha intenção.
E qual a melhor maneira de fazer isso se não mandando a postagem em um grupo de zap e escancarando as portas para todo tipo de comentário e até para nada ser dito a respeito?
Eis que, nesse cenário de possíveis comentários e emojis, meu irmão, que é uma pessoa racional ao extremo, escreve assim:
“A única coisa que me chateia é que essas fotos estão com filtro. Na vida real, as flores e plantas não têm essa cor tão viva.”
Minha tia, tentando amenizar, escreve que tal comentário revela ele, sendo ele.
De fato. Isso é verdade.
Mas esses comentários me fizeram pensar em uma coisa que, ao final e ao cabo, resume tanto a minha intenção ao compartilhar a postagem quanto a opinião de cada um deles, mas também a de todos nós, em diversos momentos da vida, quiçá no nosso dia a dia.
Pensei sobre como vemos as coisas e como costumamos achar que só as redes sociais usam filtros.
Tive a percepção de que nenhuma vida é vivida sem filtros.
Porque, na verdade, por mais que critiquemos os filtros e os atrelemos à onda das redes sociais, nós os temos pela própria condição de seres sociais que somos.
Talvez desenvolvamos muitos deles sem nem percebermos.
Outros guardamos como minúsculos pedaços daqueles de quem viemos, como as superstições: “sandália virada, a mãe morre” ou “passar por debaixo de uma escada dá azar”.
Alguns cruzam nosso caminho inadvertidamente, como quando nos tornamos pais e passamos a sentir uma presença mais forte do que a nossa própria.
Outros se atrelam a nós de forma errática, nos pegam desprevenidos e, quando percebemos, já nos definem, como quando achamos que a nossa forma de pensar é melhor do que a de outra pessoa.
Filtros de polidez e educação nos impedem de dizermos tudo o que queremos. Mas também podem nos tornar falsos.
Filtros de politização nos permitem perceber o que há de errado e saber que tentar mudar nunca é em vão. Mas também podem nos tornar tiranos senhores da verdade.
Filtros econômicos nos cegam para a realidade mais dura.
Filtros culturais nos fazem justificar o injustificável.
Enfim, não somos as redes sociais, mas também temos filtros. Somos feitos deles. E cada filtro nos faz ver e sentir o mundo de um lugar muito particular.
Talvez as tenhamos criado à nossa imagem e semelhança. Com características parecidas.
Se, no entanto, encontramos pessoas cujas lentes contêm filtros semelhantes, entendemo-nos e nos sentimos parte de um grupo.
Isso faz parte da nossa necessidade de pertencimento e está tudo bem.
Mas se usamos nossos filtros para deixar de perceber a beleza da vida, aí sim seremos o produto da rede social e não os criadores dela.
Então, usemos filtros sim. Solar, de educação, de amor, de poesia. De caridade, de seriedade, de fraternidade e de humildade.
Só não ofusquemos a pureza das crianças e a possibilidade de que elas, no futuro, filtrem a realidade com melhores olhos do que os nossos.
Não retiremos, de nós mesmos, a possibilidade de ver a vida com mais brilho e cor do que ela realmente tem.
Do contrário, seremos apenas poeira cósmica, formada de moléculas químicas que se juntaram ao acaso.
E aí, não haverá filtro capaz de retirar de nós o peso de sermos tão pouco e, ainda assim, nos acharmos importantes.
Mildred Lima Pitman - sou Mulher, Mãe, Advogada. E agora, na maturidade, venho buscando, por meio da escrita, uma melhor versão de mim mesma.
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Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais