Então é Natal e o que você fez?
John Lennon
O que temos feito? A História não tem uma trajetória linear, é errática, imprevisível, muitas vezes se perde em desvios sombrios e a humanidade parece que vai sucumbir.
Em 2025, completaremos 80 anos do encerramento do maior conflito bélico que o ser humano produziu em todos os tempos. Mortes em escala industrial nunca antes vistas motivaram um esforço entre os povos na construção de acordos e instituições para garantir que aquele horror nunca mais fosse repetido. A Organização das Nações Unidas é fundada ainda em 1945 e, três anos após, é assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Se por um lado nunca conseguimos eliminar todos os conflitos armados, por outro, se obteve relativa estabilidade no plano internacional, com certo equilíbrio entre os maiores e mais poderosos países. A sombra de uma guerra nuclear, contudo, alimentou a chamada ‘guerra fria’ que, apesar da tensão às vezes quase insuportável, impediu o uso da mais mortífera arma inventada pelo homem.
Quando do esboroamento da União Soviética e seus satélites, alguns apressadamente vaticinaram que chegáramos ao ‘fim da história’, ou seja, o término de disputas ideológicas e a vitória definitiva da democracia liberal, que proporcionaria o progresso infinito e prosperidade para todos. Infelizmente, parece que ainda não foi desta vez que desembarcamos no paraíso prometido.
Há quem diga que o ‘estado de bem-estar social’ foi criado pelo ocidente para fazer frente à ameaça comunista. Coincidentemente, após a queda do dito ‘socialismo real’, os países centrais impuseram ao resto do mundo o chamado Consenso de Washington, um receituário neoliberal que pregava a abertura de mercados, privatizações, redução do Estado e de gastos sociais, o que acentuou a financeirização da economia e a concentração de renda. A cooperação, a fraternidade, a solidariedade são substituídas pela competição exacerbada e o individualismo.
Em um mundo onde cerca de metade do que todos produzimos é apropriado por 1% da população, a própria democracia passou a ser questionada, vista como uma plutocracia que mantém privilégios de uma elite que desdenha da classe trabalhadora. Terreno fértil para o surgimento de líderes populistas que dizem estar contra ‘tudo que está aí’, contra o ‘sistema’, propondo soluções simplistas para problemas complexos. Antigos ressentimentos, ódios e preconceitos, boa parte até então contidos pelo avanço civilizatório, voltam a ser vocalizados por extremistas: racismo, xenofobia, machismo, misoginia, intolerância política, culto às armas e à justiça feita pelas próprias mãos, defesa de governos autoritários ou mesmo ditaduras, tortura e eliminação de adversários, desprezo pelos direitos humanos, pelo conhecimento e pela ciência.
Temos que reconhecer que a democracia não resolveu os maiores problemas da humanidade, e em vários aspectos os agravou, como a atual crise ambiental, que coloca em risco a própria existência da humanidade. Muitos apontam o capitalismo e sua lógica da busca do lucro a qualquer preço como a fonte maior de nossos conflitos. De qualquer forma, concordo com Churchill, que disse que “a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”. Nunca antes na História a cooperação entre as nações foi tão necessária, como o apoio dos países de mais alta renda aos demais na urgente transição ecológica, no fim de conflitos bélicos que ainda ceifam a vida de milhões de pessoas, no fortalecimento da ciência e da tolerância política contra máquinas de mentiras e ódio. Afinal, ainda não chegamos ao ‘fim da linha’, como nos ensina Milton Nascimento:
A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
Feliz Natal e um próspero Ano Novo e que nossa inquietude sempre nos motive a empreender as mudanças de que o mundo necessita.
Paulo Renato Menezes é articulador do POA Inquieta Sustentável e Secretário Geral da Agapan.
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