Dizem que o “Amor de Carnaval não dura mais do que a Folia”. Talvez seja o que ocorre na maioria dos casos, mas o fato é que eu e minha esposa, Maria, nos conhecemos em um baile de Carnaval, em fevereiro de 2008, e estamos juntos até hoje.
Nossa história começou no tão famoso Avenida Club, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, no ‘Carnaval à Moda Antiga’, que eu mesmo havia idealizado e criado, no início dos anos 2000, só com marchinhas e sambas-enredos. Isso muito antes da moda das marchinhas voltar, felizmente, ao Carnaval de São Paulo. Foi durante muitos anos o único Carnaval nesse estilo na capital paulistana.
Já revelei a história em entrevistas para jornais, revistas, sites, portais e emissoras de rádio e televisão, mas quero recontá-la aqui, porque gosto de celebrar o nosso amor, mas também por ser importante para o que vamos abordar mais ao final, em uma espécie de moral da crônica ou da história.
Durante o evento, permaneci algumas horas sentado no meu camarote, no fundo do salão, às vezes conversando com os jornalistas convidados e outro bom tempo observando o desenrolar da festa.
Uma das minhas preocupações era cuidar para que a banda não saísse do tom e começasse a tocar músicas modernas. Uma ou duas, vá lá, mas 90% delas teriam de ser marchinhas clássicas e os melhores sambas-enredos de todos os tempos. Além de ser o padrão que foi planejado, seguir à risca o que foi divulgado garantia que a mídia presente nos cinco dias de baile – de sexta à terça-feira – continuasse a dar grande destaque ao evento.
Tanto como assessor de imprensa quanto como criador de eventos, sempre acreditei na premissa de que “se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um homem morde um cachorro, é notícia”. Ter um Carnaval diferente, de qualidade, único na cidade, que cumprisse o que divulgava, que atraísse pessoas – grupos de amigos e até famílias “inteiras” – em busca de diversão respeitosa era a garantia de que a mídia continuasse a dar amplo espaço para o evento.
Por volta da meia-noite, o proprietário da casa, Telmo Carvalho, apareceu e perguntou-me por que eu não estava dançando.
– Estou trabalhando – respondi.
Ele disse que eu deveria deixar de ser tolo.
-Você está separado. O baile é um sucesso. Se ficar aqui sentado o tempo todo, não aceitarei fazer o evento novamente no ano que vem – ameaçou, brincando.
Fui até o salão, só para me livrar da pressão – e logo vi uma mulher linda, ao lado de duas amigas. Uma era parecida com ela. Deduzi que eram irmãs. Ela me olhou e pareceu-me que cutucou a irmã, mostrando-me. Já contei essa cena na segunda crônica que escrevi aqui na Sler. O salão estava lotado, com uma multidão de agitados e alegres foliões. Mas foi como se não houvesse mais ninguém. O mundo havia parado ou, melhor, girava em câmara lenta e desfocado, como se só existisse a Maria naquele salão. Nunca esqueci daquela sensação.
Sem prática em paquerar, já que fiquei casado alguns anos e mesmo antes nunca fui de conhecer ninguém em festas, dei uma volta no salão para tomar coragem para me aproximar. Durante o percurso, supus, mas sem ter certeza, que os olhos dela também procuravam os meus. Ao completar uma volta, tive atitude: corajosamente olhei para ela e… dei mais uma volta.
Continuei achando que me fitava. Parei e fui audaz: olhei-a, ei, cheio de charme, dei uma terceira volta.
Pouco depois, voltei até o pequeno camarote e sentei-me sozinho, já que os convidados estavam se divertindo. Resolvi pedir ajuda a um amigo cameraman do programa “Bate-Papo com Malvina Russo”, de uma televisão de Guarulhos, que estava ali pertinho, entre o camarote e o salão, talvez buscando alguma cena para mostrar.
Fui sincero ao escancarar a minha insegurança:
– Acho que tem uma mulher olhando para mim. Vamos até o salão? Você finge que está filmando e aí mostro a guria para tu digas se achas que ela está olhando mesmo…’
Felizmente, ele aceitou.
E assim aconteceu. Fomos – Neto (marido da apresentadora) e eu – até o salão. Ele fingia que filmava. Eu fingia que dava dicas na filmagem.
Quando ele disse “mostre-me quem é”, procurei-a, até apontar, discretamente, em sua direção.
Mas agora ela dançava não com a irmã e a amiga, mas com um homem alto, negro, magro, forte e bonitão, que a jogava para um lado e para o outro.
Neto disse, com visível ironia:
– Claro, ela está olhando para você. Claro que está!!!
Voltei acabrunhado para meu canto. Mas, passada uma hora, pensei: ‘será que ainda está dançando com aquele cara? De repente, cansou de esperar-me e aceitou uma única dança com ele. Aí me viu e parou de novo. Vou procurá-la.
Andei pelo salão. Dei uma volta. Mais uma. Não a vi. Entrei no meio da multidão de foliões, mas não a encontrei. Fui em direção ao café, que ficava entre o salão e a ampla entrada do Avenida Club. Mas ela também não estava lá. De repente, olhei para a saída e ela estava deixando o local, já nas escadinhas que davam para a rua. Mais dez segundos, a teria perdido para sempre.
Fui rapidamente.
Ela estava no último degrau, quase na calçada. Aproximei-me e chamei-a. Ela virou e eu disse:
– Oi.
Ao que ela respondeu:
– Oi.
Falei.
– Não sei dançar, mas sou bom de papo. Tu aceitas tomar um café comigo?
Ela olhou para a irmã e disse:
– Sim!
Não é não! Sim é sim!
Ficamos horas conversando no café e, na hora da despedida, junto à porta do seu carro, marcamos um novo encontro.
Foi dois dias depois. Desde então, não nos desgrudamos mais. No último dia 4 de fevereiro, festejamos 17 anos de união.
Muitas vezes encarei a nossa história, o jeito que aconteceu o nosso encontro, como uma obra do destino. Estava escrito! Já no primeiro olhar, percebemos que “o universo conspirava a nosso favor”. (Assim como eu, Maria também diz que o mundo parou quando nos olhamos, que era como se não houvesse mais nada ao nosso redor.)
Mas hoje, sem que isso mude em nada a sensação de que foi tudo mágico, cada vez mais lembramos de outros aspectos que pertencem à nossa história, que foram fundamentais em nossa relação.
Poucos dias antes do Carnaval, eu havia lutado com a minha consciência para tomar uma decisão difícil. No final do ano anterior, eu havia conhecido uma mulher durante um evento. Passamos alguns dias juntos e depois ela voltou para o interior, onde morava. Combinamos que viria para São Paulo, para passarmos juntos os dias de folia. Seria uma companhia garantida e agradável para os dias de Carnaval! Mas, quase chegando à data, perguntei-me por que passaria cinco dias com alguém que achava bacana, mas que não tinha nada a ver comigo, se o que procurava na vida, se aos 46 anos e com facilidade de conhecer pessoas, eu buscava não uma companhia e sim uma companheira.
Tomei coragem e telefonei, cancelando, apenas com duas semanas de antecedência, o encontro.
-Desculpe-me. Sei que você se planejou para vir aqui para São Paulo. Mas não vai rolar. Não posso ficar cinco dias com alguém que mal conheço. Não daria certo.
Algo semelhante aconteceu com a Maria. Poucas semanas antes, ela terminou um namoro agradável, com um homem bacana, correto, boa pessoa, mas que ela não amava. Uma boa companhia, mas não mais do que isso.
Mais tarde, já sozinha, Maria decidiu que não iria a bailes de Carnaval. Mas quando a irmã, Mary, dois dias antes, leu no jornal que havia um baile só com marchinhas e sambas-enredos, frequentado por famílias, sem confusões, chamado “Carnaval à Moda Antiga”, mudou de ideia. Seria um lugar agradável, para se divertir à vontade sem a quase certeza de ser agarrada e abraçada por pessoas desrespeitosas.
– Além disso – pensou –, em um ambiente assim há mais gente para eu conhecer alguém legal….
Talvez você, querido leitor, querida leitora, acredite no destino. Que tudo estava e está escrito. Não tenho certeza de nada. Mas acredito que o destino não acontece se não damos uma força. Não temos o controle de tudo, mas boa parte do rumo das nossas vidas passa pelas nossas decisões.
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Foto da Capa: Acervo do Autor.