Essa época em que vivemos nos apresenta a morte da metáfora em muitas partes. O fenômeno merece cem vezes mais linhas de análise, mas podemos colocar em causa duas circunstâncias possivelmente conhecidas de quem se toma o trabalho de ler uma crônica como esta.
Primeiro, a tão comentada escassez de interpretação de texto. Basta tomar alguns instantes de um dia e entrar em qualquer rede social para, com tristeza, constatá-la. É só encontrar qualquer postagem sobre um episódio polêmico – a ração e o fast food das redes sociais – e perceber que boa parte das interações comunicativas geram disputas de disparates e agressões gratuitas, já que, às vezes, um interlocutor está agredindo a outro que defende o seu próprio ponto de vista com outras palavras. Miséria total!
A segunda circunstância que destaco é a distribuição à revelia por parte de políticos, personalidades e abobados de plantão de palavras, gestos e signos racistas, xenófobos, LGBT fóbicos. Ainda, já no segundo tempo de 2024. Estes gestos, ao serem indagados, serão cinicamente contemporizados, em uma tentativa de matar a alusão recém-utilizada, tomando por paranoico (ou idiota!) a quem é capaz de captar a mensagem ofensiva.
Não quer dizer que a metáfora vai se extinguir tão cedo. Quer dizer que “apenas” ela tem deixado de ser encontrada onde seria esperado e até mesmo necessário. É aí que muitas coisas começam a parecer fora de contexto, fazendo com que certas ignorâncias se consolidem como método.
É assim: a cada volta deste insano mundo das palavras, seus usos, maus usos e abusos, vão surgindo novas razões para se desassossegar. Num dia as religiões neopentecostais passam a exercer boa parte do que seria tarefa do Estado, – por exemplo, no que dizem ser o tratamento para sujeitos que têm uso problemático e abusivo de álcool e drogas – no outro, temos os bandidos de Deus, com o chamado narcopentecostalismo. Num dia quebramos a cabeça para entender o que uma bandeira de Israel faz ao lado dos apoiadores de Bolsonaro – não sei se conseguimos – no outro, ficamos sabendo que a mesma bandeira foi a escolhida como emblema de uma facção criminosa que se diz evangélica, portanto cristã.
Na psicanálise muitos de nós se previne há anos com aquilo que Lacan chamou de “o triunfo da religião”. Acho que já triunfou faz tempo… No entanto, como nosso país reinventa a cada dia o significado da palavra contradição, tenho mesmo pensado é no quão difícil está manter algo de contexto. Será que é pedir muito?
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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