Em 08 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 6457, ajuizada em 10 de junho de 2020), por unanimidade, afastou qualquer entendimento de que as Forças Armadas (FFAA) exerçam poder moderador entre os três poderes. Essa ADI teve por objeto os artigos 1º, caput, e 15, caput e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar 97/1999, com as alterações das Leis Complementares 117/2004 e 136/2010, que estabelecem:
“§ 1º Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. § 2º A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. § 3º Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal, quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.”
Segundo julgado agora pelo STF, a chefia das Forças Armadas, leia-se o Presidente da República, tem poder limitado e, portanto, as Forças Armadas não podem ser utilizadas para realização de intromissões no funcionamento dos poderes da República, mesmo na hipótese em que ocorra pedido do STF, do Senado ou da Câmara dos Deputados.
O STF salientou que cabe o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, que sua utilização não está limitada às hipóteses de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, mas que sua utilização só pode ocorrer excepcionalmente, se ocorrer grave e concreta violação à segurança pública interna.
Cabe esclarecer, também, que o STF entendeu que o emprego das Forças Armadas só pode ocorrer quanto tiverem sido esgotados todos os mecanismos ordinários preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, inclusive com a colaboração das instituições estatais e que essa medida deve estar sujeita ao controle permanente dos demais poderes.
A meu ver, saber quando efetivamente aconteceu uma violação concreta à segurança pública interna é uma avalição é muito subjetiva e vaga, pois é muito difícil, em um primeiro momento, delimitar tal violação, sua gravidade, e se presidente tiver de esperar que tal violação se concretize efetivamente e que todos os mecanismos ordinários tenham sido utilizados, poderá ser tarde demais.
A Constituição é clara
O ministro Luiz Fux, relator deste julgamento, entendeu que não cabe o entendimento de que as Forças Armadas possam intervir no Poderes ou na relação entre uns e outros, com base na interpretação do artigo 142 da CF, o que me parece ser obvio da leitura do artigo abaixo transcrito. Triste o STF ter de esclarecer o que está escrito na própria CF. Isso é um sinal de que as coisas não vão nada bem na cabeça de alguns políticos, formadores de opinião, e até mesmo integrantes das Forças Armadas, como se viu na tentativa e golpe de Estado que aconteceu em 08 de janeiro de 2022.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O ministro Luiz Fux, também deixou claro que a CF inseriu as Forças Armadas no âmbito do controle civil do Estado, como instituições nacionais permanentes e regulares. Desse modo, segundo ele, “esses atributos qualificam as Forças Armadas como órgãos de Estado, e não de governo, indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”.
Outrossim, ele destacou que a autoridade suprema conferida ao presidente da República no artigo 84 da CF, que dentre outras estipulações, determina que “Compete privativamente ao Presidente da República exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos” se refere à hierarquia e à disciplina da conduta militar. Para ele “essa autoridade, porém não se impõe à separação e à harmonia entre os poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional”.
Vale destacar que em 2020, ao deferir parcialmente a medida liminar solicitada na referida ADI, para que o STF desse interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos legais que tratam do emprego das Forças Armadas, o ministro Luiz Fux já havia deixado clara a exclusão “de qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República”.
Naquela ocasião, o ministro já havia salientado que “O emprego das Forças Armadas para a ‘garantia da lei e da ordem’, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública”
Como o acordão desse julgamento ainda não foi publicado, reproduzo o link da decisão da medida liminar acima referida. O entendimento do STF permaneceu alinhado com entendimento do relator.
Veja-se que a ADI foi ajuizada muito antes da tentativa de golpe de 08 janeiro de 2023, em junho de 2020, como informado acima. Quem diria, que em menos de dois anos haveria uma tentativa de golpe? Que bom que já havia essa decisão, quem diria, que em um país em que o povo esperou tanto pela democracia, fosse possível ocorrer novamente um golpe, ainda que da forma apenas tentada. Que bom esse julgamento do STF, com certeza ele não diminuiu a importância das Forças Armadas, mas reforça a independência dos três poderes, o dever de respeitar a CF que cabe a todos os poderes e instituições, e sobre tudo ajuda no fortalecimento da democracia.
Foto da Capa: Freepik
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