Quis o destino que ele resistisse até a Páscoa, a mais importante celebração católica. E quis ele, o Papa Francisco, mais do que aparecer no balcão das suas orações e homilias nestes últimos 12 anos. Mesmo com visíveis fragilidades físicas, desceu para junto do povo no último e breve passeio de carro pela Praça de São Pedro. Sabemos o quão próximo das pessoas Francisco sempre fez questão de estar, ele promoveu o acolhimento que aproxima fiéis em qualquer igreja. Sem isso, parte do rebanho migra para campos mais generosos em empatia.
O papa se despediu da agenda formal com autoridades no Vaticano recebendo o vice-presidente americano J.D.Vance, sabidamente um político com quem tinha fortes divergências no tema da imigração, inclusive com críticas públicas por parte do pontífice. Acaso ou não, um encontro no Domingo de Páscoa, bem ao estilo do Papa que sempre promoveu o respeito às diferenças e aos diferentes, o diálogo e a fraternidade entre nações e religiões. Sua mensagem na celebração, lida pelo monsenhor Diego Ravelli, mais uma vez teve um apelo aos homens que governam o mundo para o cessar de guerras e pelo entendimento, só ele capaz de alcançar a paz.
De tantos ensinamentos de Francisco, fico com uma marcante frase do seu derradeiro encontro com os católicos. “Não estacionem o coração na tristeza e nas ilusões”, disse ele. Que imenso desafio nos propôs o Bispo de Roma, esse de não se deixar aprisionar. Porque, sim, para um coração triste, é mais fácil cair em ilusões, aceitando qualquer coisa ou quase nada para superar a melancolia e a dor emocional. As ilusões, por sua vez, trazem até conforto momentâneo, mas encontram a frustração e, outra vez, a tristeza. Que a gente saiba deixar esse estacionamento e partir, para o tempo que ainda temos nessa viagem, com outro tipo de bagagem: sentimentos e vibrações que nos elevem como pessoas para seguirmos, sem tristezas e ilusões, construindo este mundo solidário que o Papa tanto buscou.
E se a orientação é abandonar a tristeza, serve muito um conselho antigo de Francisco. O exercício do humor, segundo ele, “é um certificado de sanidade”. É preciso desenvolver “a capacidade de ver que a vida tem algo de sorriso sempre”, alertava. Há uma fala que tem minha concordância: “La gente que no tiene sentido de humor es aburrida, aburrida consigo misma”. Como tenho andado meio assim, Deus me livre de ser uma pessoa chata e sem graça com os outros. Estou começando já a exercitar a leveza de viver que o hermano Jorge Bergoglio tantas vezes recomendou.
Daniela Sallet é jornalista e documentarista.
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Foto da Capa: Gerada por IA.