O Estado de Nova York autorizou a compostagem humana. Trata-se de um método onde o cadáver é colocado em um recipiente especial com lascas de madeira, sementes e palha. Dias depois, a matéria se transforma em composto para adubo. O processo, conhecido como “redução orgânica natural”, é tido como um recurso sustentável, se comparado ao enterro tradicional. Ou até mesmo à cremação.
Estamos carecas de saber: o que é bom para os Estados Unidos da América do Norte, é bom para o Brasil da América do Sul. Se os novaiorquinos estão reciclando despojos humanos, nós outros, em tempo recorde, macaquearemos a novidade. Com a feição brasileira, como não poderia deixar de ser. Mas certamente arremedaremos a Matriz.
Em outras palavras, não vai demorar para termos honras fúnebres assim por essas bandas tropicais:
– É o Isaltino?
– Não, você está olhando para a urna errada. Esta é a Salu.
– O Isaltino é o barro verde?
– Você se refere ao composto orgânico natural de tonalidade esverdeada?
– É. Aquilo que está lá dentro da caixa.
– É o Isaltino, sim.
– Não acho justo com ele, sabe?
– Por quê?
– Ah, o cara batalhou tanto na vida…pra depois a gente ficar olhando pro adubo dele. E chorando, se lamentando.
– Não diga adubo, por favor. Diga material orgânico natural.
– Seja o que for. Mas não vejo com bons olhos.
– A natureza agradece o gesto da família do Isaltino.
– E ele? Vaidoso do jeito que era, gostaria de ser velado como esterco?
– Fala baixo, não é esterco, quantas vezes eu preciso repetir?
– Ok, ok. Só me diz uma coisa: você que conhece a etiqueta dessa tal de compostagem, como é que a gente se despede do falecido?
– ode ir até a urna, elevar uma prece, pensar em algo positivo…
– Eu queria fazer um último carinho no Isaltino. Enfio a mão naquele torrão, remexo?
– Esse tipo de coisa, eu sugiro que você faça mentalmente, leve para outra realidade.
– Metaverso em velório, era só o que faltava.
– Pensa numa coisa: o modo como o Isaltino está indo vai deixar o planeta mais saudável.
– Pra mim, deixa uma péssima impressão.
– Do pó ao pó, se lembra do provérbio? É a mesma coisa.
– Ah, não mesmo. Isso aí é do pó ao fertilizante.
– Por favor!
A porta do recinto se abre. Entra um sacerdote de batina. Começa a rezar para o defunto.
– É a primeira vez que vejo uma missa de terra presente.
– Respeita o Isaltino, rapaz.
– Isaltino? Esse conteúdo de xaxim?
– Você não quer ir um pouco lá fora, tomar um ar, beber um café?
– Por quê?
– Acho que ficar aqui não está lhe fazendo bem.
– Você acha?
– Acho, sim.
– Tá bom, eu vou.
– Ótimo!
Mas guarda um punhadinho do Isaltino pra eu levar de lembrança?