Como mencionei em minha última coluna, o Brasil é um continente e precisa de políticas continentais. Com a Cúpula da Amazônia, nota-se que não só o Brasil é continental, mas o Bioma Amazônico também o é. A Amazônia é transnacional. A Floresta Amazônica está além de acordos geopolíticos passados e contemporâneos. As fronteiras são definidos por ideologias de domínio. Domínio sobre o Outro. A Cúpula da Amazônia este ano foi realizada entre 8 e 9 de agosto.
O que é a Cúpula da Amazônia? É uma reunião. Um encontro no qual oito presidentes da América do Sul, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), discutem como ordenar a Floresta Amazônica. Nesse Tratado participam os chefes de Estado do Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Suriname e Venezuela.
O que está em discussão? No plano político, trata-se de definir de que tipo de democracia estamos falando. Inclusiva ou excludente? Os povos originários são pessoas? São pessoas com capacidade para decidirem sobre seus próprios territórios? São alienados? Ou alienados são os presidentes e políticos que representam as corporações de extração de petróleo, gás e minérios na transnacional Floresta Amazônica. Furar ou não furar? Eis a questão. Nesse tabuleiro extrativista, o que se revela é a legolândia dos blocos petrolíferos.
No Brasil, a disputa mais recente está no Bloco FZA-M-59, localizado na Foz do Amazonas. Furar ou não furar? Eis a questão. No Equador, a disputa, entre tantas outras, está no Bloco 43 (também conhecido como ITT-Yasuní, Ishpingo, Tambococha e Tiputini que se encontra no Parque Nacional y Reserva de Biósfera de Yasuní). Furar ou não furar? Eis a questão.
No Brasil, no último governo federal houve um forte movimento politico que liberar grilagem, mineração e exploração de toda sorte em reservas indígenas da região amazônica sob “proteção” do Estado. Mesmo em terras públicas, esta entidade etérea, o Estado brasileiro, não é capaz (ou não deseja) proteger o Bioma Amazônico.
Essa discussão passa por tantos planos e esferas que sem um diálogo amplo e profundo, e mais, inclusivo, as atuais práticas extrativistas continuarão em movimento sem nenhum tipo de frenagem. E mais ainda, legitimadas por entidades etéreas como o “Congresso Nacional”, o famoso “Poder Legislativo” (para quem se legisla neste país?); o também famoso “Poder Executivo” (executa quais povos e quais ideias?) e o recém-famoso “Poder Judiciário” (decide pautada em quais princípios?).
Desse forno de discussões da Cúpula da Amazônia sairá uma carta. Mas só cartas não mudam as pesadas estruturas sociais e políticas da região sul-americana. Práticas planejadas e realizadas mudam essas estruturas. Práticas realizadas no longo prazo podem mudar as estruturas de modo consistente e robusto. Nem só ideias, nem só práticas pontuais. O Bioma Amazônico é um continente e precisa de políticas continentais, integradas e consensuadas entre todas as partes. Ao final do dia, a questão se impõe: Furar ou não furar?
Sugestões de leituras para entender o contexto
Gudynas, Eduardo. Dejar el petróleo bajo tierra: Yasuní como ejemplo y como aprendizaje en transiciones postextractivistas. Cartas en Ecología Política, n. 7, 7 ago. 2023.
Ibama. Decisão do Ibama sobre pedido de licença para perfuração no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas. 17/05/2023.
Informações sobre os programas para o Bioma Amazônico no âmbito transnacional: OTCA.
Svampa, Maristela. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. Editora Elefante, 2020.