Começo este texto reproduzindo uma das falas que fiz sexta, dia 19.04, no painel de Insights do SXSW, no palco do Conecta Cria, organizado pela Babi Bono, Marcelo Rocha , Leme.cria, Instituto Ademafia, 2050oficial e Social Cryptoart, no Morro de Santo Amaro, com apoio do Itaú e White Rabbit:
“Quem aqui não pensa no futuro desde que nasceu? Que pensa se tem futuro? Como construir seu futuro? Como existir no futuro? Nós, pessoas nascidas e criadas nas periferias e favelas do Brasil pensamos no futuro todos os dias. Pensamos no futuro quando vamos na escola, quando enfrentamos todos os desafios diários, quando suportamos humilhações e exclusões, pensamos no futuro dos nossos, e até quando desistimos pensamos que estamos sem futuro. Futuro não é uma palavra vazia para nós.”
E inicio por este pensamento para dizer que o futuro é a base de reflexão da minha vida. E, quando mergulhei nele de forma estruturada, através de livros, eventos de inovação, ecossistema, fui conhecendo muitas visões de futuros. A visão americana dominante com sua narrativa onde a tecnologia industrial é mandatária. E aqui estamos no vórtex da IA com 70% dos conteúdos do SXSW sendo reproduzidos mundo afora.
A visão europeia com suas escolas de futuros italianas, francesas, onde a narrativa estruturante se dá através de um olhar dinâmico incluindo o comportamento sociocultural. E as outras perspectivas de futuros que são descentralizadas como a de afro futuros, a indígena. Mas ainda assim cada uma em seu território, como se uma visão exclusiva e hegemônica fosse resolver o caos multicultural que estamos imersos desde que começamos a desenvolver comunidades e sociedades.
Eu tenho uma grande qualidade e, em alguns momentos, defeitos: eu estudo muitoooo… Mas muito mesmo. De forma obcecada em busca de respostas. A minha cabeça funciona em modo de “questione” – metodologia proprietária da White Rabbit. Eu questiono o mundo desde que nasci. Por isto, estou aqui hoje sobrevivente e pensadora sobre que visão de futuro pode ser mais inclusiva, mais pluriversal, mais dinâmica, mais humana e nos ajude a adiar o fim do mundo seguindo a linha do Krenak.
Aí volto para o Conecta Cria e a potência de cada fala ao se conectar com os Insights do SXSW e reverberar no palco: para aí… aqui é Brasil. Até quando vamos continuar dando forças para narrativas que não são nossas e ficar embarcando em uma perspectiva que diz respeito por exemplo a outras sociedades?
E aí o meta Festival do Conecta Cria foi desafiando cada insight do SXSW com painéis como:
- Como ser feliz na era do Caos?
- IA saiu de moda ou fomos engolidos?
- Brasilcore na era do entretenimento
- Música, Negócio e Inovação: o paredão que une o Brasil
- Futurotopia: como adiar o fim do mundo?
Marcos Luca Valentim, Obirin Odara, Rômulo Alves, Ana Paula Paulino, Gean 2050, Rafa Militão, Leo DJ BigMix, Renata Novaes, Paula Martini, DJ O Mandrake, Ademar Lucas, Jamela, Edu Valladares, Marcelo Rocha, Babi Bono, Vanessa Mathias e eu participamos de um meta festival, talvez o mais próximo que eu imagine que era o SXSW em Austin no início de tudo, onde a música, a arte e a criatividade alinhavavam o TECH com autenticidade.
E o Conecta Cria – liderado pela Babi Bono que saiu na Forbes com o título : “Quem é a executiva que promete levar o SXSW para a favela” – foi muito além, produziu uma inteligência coletiva aquilombada no território mais fértil para a manifestação de um Futuris Brasilis, a favela.
Eu acredito na força da palavra porque na nossa ancestralidade as palavras são magia. Para vocês terem ideia, eu escrevi em fevereiro um pequeno manifesto chamado Futuris Brasilis, antes de ir para o SXSW:
Como pensar um futuro brasileiro?
“Já existe um Futuris Brasilis fundamentado nas inovações periféricas criadas no dia a dia de quem é excluído e constrói um metaverso social nas periferias deste país de norte a sul. Que apesar de todas as dificuldades produz novas lógicas sociais e tecnológicas, a partir da criatividade para lidar com a falta de recursos, com os nãos, com o preconceito, com a violência. O Futuris Brasilis já está aí e tem metodologia intuitiva, uma estética própria, uma linguagem singular. Não se pauta olhando para fora e sim tendo coragem de criar a partir de saberes ancestrais, diplomacia de territórios, criação de design autêntico centrado na vida. O Futuris Brasilis é um ilustre desconhecido da elite brasileira, mas chama a atenção dos gringos, da Beyoncé, da Viola em Salvador, no Rio, em São Paulo, em Manaus, em Recife, em Porto Alegre, nas favelas e nos deslocamentos.
O Futuro Brasilis não é das consultorias hypadas e seus artigos na revistas de inovação. Ele está pulsando e fruindo com a potência de oferecer tecnologia para um mundo amedrontado porque no Futuro Brasilis não falta coragem e tecnologia de sobrevivência. Mas para ver este Futuris Brasilis é preciso de vencer o medo de ser Brasil, de sentir o Brasil, e criar pontes reais e autênticas para escutar, aprender com quem vive e cria a partir do caos cotidiano. E principalmente não praticar uma versão colonizadora 4.0 extraindo o que tem de precioso neste territórios para enriquecimento dos mesmos de sempre. O Futuris Brasilis é da favela, pois é na favela que hoje estão todos unidos buscando sobreviver: onde a multiculturalidade integra brancos, indígenas e pretos porque é o território onde a exclusão força as infinitas possibilidades.”
Patrícia Carneiro, fevereiro de 2024 antes de embarcar para Austin.
Quer saber o que foi o Conecta Cria? Segue todo este pessoal aí de cima. Escuta a fala de cada um. Se abra pois 2050 já e realidade para todos eles. Inclusive pra mim.
Foto da Capa: Acervo da autora | Divulgação
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