Um dos livros mais populares do físico e cosmólogo inglês Stephen Hawking se intitula: “The Universe in a Nutshell”, e foi traduzido para o português como: “O Universo numa Casca de Noz” (Amazon).
É a tradução literal do título em inglês, mas eu me pergunto quanto leitores brasileiros a entenderam. Se mesmo na língua inglesa essa expressão não é muito utilizada, em português, então, não faz nenhum sentido!
Pois bem, “in a nutshell” em inglês significa “em poucas palavras” ou “em resumo”. Como estamos na época do Natal, quando as nozes costumam fazer parte do cardápio, estou repetindo aqui a frase para introduzir um resumo do que vimos até agora sobre gases de efeito estufa (GEEs). Só que com a devida explicação do seu sentido!
Como também essa é uma época de listas, apresento o resumo na forma da lista dos pontos mais relevantes sobre a emissão de GEEs pelos humanos. Seguem então, não necessariamente em ordem de importância.
- Os processos que emitem os GEEs estão profundamente enraizados no modo de vida da civilização, e para a maior parte deles não existem soluções economicamente viáveis que possam ser aplicadas em larga escala, de modo que sua substituição será complexa e demorada;
- Os processos que mais emitem GEEs incluem (1) a produção de materiais (principalmente concreto, aço e plásticos), (2) geração de eletricidade, (3) agricultura e seus processos associados, (4) transportes e (5) aquecimento e refrigeração;
- O mundo emite atualmente 51 bilhões de toneladas de GEEs e o planeta está cerca de 1,5oC mais quente do que no início da era industrial. Há uma visão, bastante compartilhada atualmente, de que iremos conseguir reduzir as emissões para zero em 2050, conseguindo manter o aquecimento dentro do limite de 1,5o Não vamos. Se trabalharmos duro, vamos reduzir as emissões em cerca de 50% (e essa é uma estimativa otimista, ainda que factível), limitando o aquecimento a 3oC.
- Um mundo aquecido a 3oC, porém, será palco de frequentes eventos climáticos extremos (que ainda não aconteceram em sua maior intensidade), deterioração ambiental, e inviabilização da vida humana em grandes áreas do planeta.
- Esse cenário assustador não deve ser desculpa para a inação. Precisamos não só reduzir as emissões de GEEs, mas também nos prepararmos para as dificuldades que iremos enfrentar. Não temos saída. Ou fazemos isso ou o mundo vai mergulhar em caos e barbárie que poderão fazer com que percamos os avanços civilizatórios que conquistamos nos últimos séculos;
- Embora eu tenha ressaltado em colunas anteriores que o petróleo não é o único produto a causar a emissão de GEEs, há uma observação importante a fazer. O petróleo, se considerarmos toda sua cadeia de extração, produção e uso nas mais diversas aplicações: combustíveis, plásticos, fertilizantes, e muitos outros, representa cerca de 50% da emissão de GEEs no mundo.
- Por conta de seu uso em muitos processos essenciais para a atual civilização, que torna sua substituição extremamente desafiadora, a Agência Internacional de Energia estima que o petróleo ainda será consumido em níveis próximos aos atuais até, pelo menos, 2050. Isso é muito! Precisamos trabalhar para reduzir essa estimativa.
- O gás natural não é o combustível da transição. Pode ser menos poluente do que o carvão e o óleo líquido, mas é um combustível fóssil que emite GEEs de maneira não sustentável. Os biocombustíveis são. Mas servirão somente para a transição, porque o uso extensivo de terras, o gasto energético com sua produção, e o fato de que a parte das plantas que fica no solo (raízes, etc.), ao se decompor, gera GEEs, não os qualificam para serem soluções definitivas.
- O futuro será elétrico. Boa parte da demanda adicional por eletricidade será suprida por fontes renováveis como hidrelétrica, solar e eólica. A energia nuclear, com reatores menores, mais bem distribuídos e monitorados, provavelmente será também mais utilizada.
- Precisamos mudar a forma com que nos alimentamos. Embora o ideal seja que todos se tornem vegetarianos e consumam somente produtos orgânicos cultivados próximo de onde moram isso, por razões sociais, logísticas e econômicas, isso não parece ser viável, pelo menos nas próximas décadas. Além disso, precisamos produzir comida suficiente para alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050, e não está comprovado que um dia faremos tal coisa sem o uso de agricultura extensiva.
- Numa casca de noz, para tornarmos o sistema alimentar mais sustentável, a principal carne consumida deve ser a de aves, que demanda bem menos energia e produz menos impactos ambientais do que as demais (frutos do mar inclusos, porque a pesca industrial está dizimando a vida dos oceanos). Grãos – trigo, milho e soja precisam alimentar humanos, não animais. E, no caso dos dois primeiros, serem produzidos com muito menos nitrogênio (a soja sintetiza seu próprio nitrogênio) e com o mínimo de agrotóxicos. E sim, devemos consumir muito mais vegetais e frutas, de preferência produzidos em nossa região. Voltarei a esse assunto futuramente.
Apresentada a lista, restam ainda algumas considerações. Espero ter deixado claro ao longo das últimas semanas que enfrentar a crise climática e as outras consequências do aquecimento global não é algo restrito a ativistas e especialistas. É dever de todos nós. Por uma questão de sobrevivência. E embora cada um deva fazer em suas escolhas pessoais o que estiver a seu alcance, as grandes mudanças virão via política e economia. Por isso todos, indivíduos, influenciadores, representantes de sociedade e organizações diversas tem que usar o seu poder político e econômico para fazer com que governos e empresas invistam em processos sustentáveis e na mitigação e preparação para os problemas do planeta. Não há outra alternativa.
Finalmente, para você que chegou até aqui, eu agradeço por sua atenção em 2023 e me desculpo por não poder ser mais otimista nessa época de festas. Mas a negação e a complacência não nos ajudarão a enfrentar os desafios que temos pela frente. Isso não deve nos impedir de celebrarmos a vida e suas coisas boas. Afinal, a depressão também paralisa, e nós precisamos de tudo menos paralisia nesses tempos difíceis.
A Sler entrará em recesso a partir da semana que vem. Voltarei com a coluna de 8/1. Mas o site continuará ativo e com boas novidades!
Então, boas festas e um feliz 2024!
Observação 1: nessa primeira coluna de 2024 vou iniciar uma série em que examinarei as consequências do aquecimento global para o planeta e para nossas vidas. Mas antes veja o vídeo que vou publicar na minha conta do Instagram @marcomoraesciencia na próxima quinta-feira.
Observação 2: Se você quiser ler mais (ou ler de novo) sobre algum dos pontos deste resumo, CLIQUE AQUI para ver todas as colunas publicadas.
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