1º – Uma história de “mal gosto”…
Não sei se você sabe, mas além do jornalismo, minha esposa e eu trabalhamos no site de relacionamento que criamos há pouco mais de doze anos, o Coroa Metade. É uma atividade difícil, desgastante e, ao mesmo tempo, gratificante.
A falta de recursos não permite que a plataforma seja modernizada como gostaríamos e temos feito de tudo para melhorar o serviço para atender a um público extremamente exigente.
Ainda assim, é o máximo saber que pelo menos 181 casamentos e centenas, talvez milhares, de namoros surgiram por meio do site e do app. Isso sem contar os casais que se formam e saem sem avisar o motivo, talvez temendo uma exposição pública de suas histórias (o que, claro, não faríamos sem a sua permissão). Pode ser ou parecer piegas, mas sempre conto nas entrevistas às emissoras de rádio e de televisão que choro toda vez em que conheço pessoalmente um desses casais.
Na semana passada, Maria e eu decidimos, em cima da hora, dar um presente de Dia Internacional da Mulher: três meses de assinatura no site para todas as mulheres que se cadastrassem no dia 8 de março. Para quem paga, a assinatura trimestral custa R$ 99,00.
Nossa ideia surgiu pouco depois que ouvimos no supermercado duas mulheres, na fila, conversarem e reclamarem sobre os preços de tudo. A conversa das duas começou de forma engraçada:
– A senhora vai sair sem escolta?
Ela olha com espanto para trás.
A primeira prossegue:
– É que tem todos esses cafés no carrinho…
As duas sorriem e começam uma conversa.
Observo com carinho essa cena tão brasileira, que faz deste nosso país um lugar adorável, apesar de tantos problemas.
Pensamos no presente como algo legal para esse momento do ponto de vista econômico e, também, como uma forma de atrair novos perfis femininos para o site. Depois, pensaremos em alguma ação semelhante para o público masculino.
Na mensagem que postamos nas redes sociais e nos releases que enviamos à mídia para conseguir matérias, destacamos que, para ganhar o presente, não era necessário colocar dados do cartão de crédito. Quando acabarem os três meses, a usuária se torna automaticamente não assinante. Ou seja: ninguém precisará ter trabalho para cancelar a assinatura, já que não há chances de passar a ser cobrado, já que, mesmo se quiséssemos, não há qualquer dado bancário que possibilite qualquer cobrança.
Divulgamos no dia 6. E, que alegria, em poucos minutos já chegaram várias mensagens de mulheres agradecendo.
– Vou entrar no site, obrigada – disseram muitas.
Algumas outras – e mesmo homens – escreveram informando que passariam para uma amiga, para a mãe, uma tia, uma vizinha, uma colega de trabalho…
No dia 7, recebi uma mensagem de uma jornalista no meu WhatsApp:
– KKK. É sério! Dar de presente, no dia da mulher, um facilitador para um site de namoro? Isso é ofensivo, de mal gosto, deselegante.
Penso em responder:
– Deselegante é escrever “mal gosto” quando o correto é “mau gosto”.
Mas me contenho e vou direito ao assunto. Respondo que ofensiva e deselegante é a resposta dela.
– Alguém está dizendo que a mulher que lê a notícia é obrigada a entrar no site? Há milhões de mulheres no mundo inteiro que entram, quer você queira ou não, em sites de relacionamento. E há também milhões cujos namoros, casamentos e até mesmo famílias começaram em um desses sites.
Ela insiste. Para ela, estamos dizendo para as mulheres que elas só serão felizes se tiverem alguém ao lado.
– Tu és preconceituosa. Para ti, as mulheres não têm discernimento para decidir se querem ou não entrar em um site.
Prossigo, agora por áudio:
– Outra questão. O que tu sabes sobre as mulheres que desejam entrar ou não no site? O que tu sabes sobre mulheres, como muitas que estão no site, de 60 anos, que cuidam da mãe e do pai, ambos com 80 e tantos anos, às vezes os dois com Alzheimer, que quase não têm tempo de sair de casa e esperam encontrar no site alguém interessante, seja para amizade, seja para amor?
Continuo a gravação:
– O que tu sabes sobre as mulheres de 45 anos, que criam sozinhas três filhos e que durante toda a semana vão de casa para o trabalho e do trabalho para a casa, onde ainda precisam cozinhar para os filhos? Quem és tu para dizer que é uma ofensa dar uma assinatura de um site de presente? O que tu sabes sobre mulheres solteiras, viúvas ou separadas que são donas de si e de seu tempo, mas que se cansaram de ir para festas, baladas, e conhecer pessoas que não têm nada a ver com elas e decidem entrar em um site, onde também há muita gente tola e vazia, mas, por mais que não seja fácil, há a chance de selecionar bem os perfis de tentar achar alguém com afinidades de valores, gostos e objetivos?
Irritado, digo que quando publicar meu livro contando a história e as histórias do site, colocarei a mensagem dela como um dos destaques dos dissabores que aparecem no meio do caminho.
– Você não está num espaço público para sair publicando a nossa conversa, que por acaso você começou. E não estou criticando o seu negócio ou o sucesso dele. Não acho pertinente o “presente” para a data. É isso.
Por enquanto, a história “só” está aqui nessa crônica da Sler. Ainda vou pensar se a chatonilda estará ou não no livro sobre o Coroa Metade.
2º – Uma estatueta para os chatos!
Alguns portais e sites destacaram um trecho da entrevista de Selton Melo à Veja sobre a incrível reação de Fernanda Torres ao ser elogiada pelo ator inglês Ralph Fiennes, protagonista do “Conclave”, também conhecido por suas atuações em “A Lista de Schindler”, “O Jardineiro Fiel” e “O Paciente Inglês”. Segundo o ator brasileiro que interpretou Rubens Paiva em “Ainda Estou Aqui”, Ralph Fiennes chegou até ela e disse assim:
– Você é fabulosa!
De acordo com Selton Melo, Fernanda Torres, que ele chama de Nanda, apertou as bochechas de Fiennes e pediu para o inglês repetir. E o ator disse novamente:
– Você é maravilhosa!”
Ai, a Fernanda Torres exclamou:
– Obrigada. Já ganhei a noite!
Que história bonita! Quem não gosta de ser reconhecido no seu prédio! Na rua em que vive! No bairro! Na cidade onde mora ou nasceu. Na sua região, estado e país. No seu continente!
Que atriz ou ator não adora ser reconhecido no mundo, especialmente por pessoas da mesma profissão, que ele ou ela admira pelos grandes trabalhos?
Que jogador de time brasileiro não adoraria ser elogiado por Messi ou Cristiano Ronaldo? Que escritor brasileiro não ficaria orgulhoso ao receber o Nobel de Literatura?
O reconhecimento não precisa nem ser pelos colegas de profissão. Este cronista que você lê aqui uma vez ficou todo prosa ao receber de Pelé um e-mail que elogiava um artigo escrito sobre ele e publicado no online da Folha de S. Paulo!
Mas voltemos à Fernanda.
Nos comentários dos portais e, depois, em muitas postagens nas redes (anti)sociais encontrei muitos posts com críticas contundentes. Publico aqui dois, mas encontrei ao menos 30 muito semelhantes:
– A necessidade de validação de uma brasileira foda por um gringo precisa ser estudada…
– A pergunta que eu faço é: quem mesmo é que precisa de validação por gringos?
Meu Deus, que gente chata!
Tanto gostamos de reconhecimento que o Brasil festejou seu primeiro Oscar em clima de Copa do Mundo. Nas ruas e até mesmo no Sambódromo do Rio, na hora do anúncio do vencedor de melhor filme internacional, a explosão foi tamanha que parecia que o Brasil havia marcado um gol.
Se houvesse um Oscar para gente chata, aqui haveria bons candidatos para receber a estatueta!
3º – A Presidência das chatas!
Escrevo em um grupo de WhatsApp um texto em que destaco o ótimo trabalho da presidente do Palmeiras, Leila Pereira. Segundos depois, uma amiga escreve no meu Whats privado.
– Seu texto é machista!
Aguardo em silêncio. Imagino que ela escreverá que uma mulher não precisa ser validada em seu trabalho pela opinião de um homem.
Talvez diga:
– Uma mulher não precisa que um homem seja o julgador se o trabalho dela é competente ou não.
Mas ela não diz mais nada.
Percebo que a bola está comigo.
– Por quê? – indago.
– Você deveria ter escrito “presidenta”.
Respondo que não concordo.
– Quando falo de um homem que dirige uma empresa, escrevo “diretor”. Quando é sobre uma mulher que comanda a empresa, escrevo “diretora”. Quando é homem, escrevo médico. Quando mulher, médica. E mesmo assim não é um conceito universal. Na semana passada, fui ao dentista fazer a profilaxia dentária. É um homem, mas em momento algum escreverei que fui ao dentisto.
– Mas neste caso você deveria sim falar “presidenta” – insiste.
– Presidente não é palavra masculina nem feminina. Diferencio pelo artigo. O presidente. A presidente. E veja bem, não estou dizendo que as palavras não têm força e que não devemos saber utilizá-las para não reforçar conceitos ultrapassados e preconceitos milenares. Eu mesmo já publiquei uma crônica em que deixo claro que não podemos utilizar o termo “Homem” como sinônimo de “Humanidade”. Eu nunca escreveria que a presença do Homem no Planeta começou em…
Meus argumentos não a convencem.
Ela responde:
– Há poucas mulheres ocupando cargos de Presidência. Por isso, dizer e escrever “presidenta” é um posicionamento político e sociológico; é uma afirmação do direito, da força e da capacidade da mulher.”
Não percebeu ou não quis perceber que destaco como a melhor presidente a única mulher que ocupa a Presidência entre os grandes clubes do futebol brasileiro. Tem fixação com as palavras.
Importam só as palavras.
Pensei em enviar uma mensagem de voz, mas vá lá que ela começasse a escrever na mesma hora e me acusasse de mansplaining.
A conversa parou por aí.
Mas meus pensamentos continuaram:
– Taí mais uma candidata para o Oscar de Mais Chato ou Mais Chata do ano. Ou seria Oscar de “Mais Chate do ano”?
4º – Historinha bem legal…
Pergunto para a minha maior crítica literária, Maria Gontow, se a coluna que enviarei agora para o CEO e publisher da Sler, Luiz Fernando S. Moraes, está legal ou não. Ela começa e já na primeira linha, define:
– Não preciso mais ler. Desta vez, não importa se está boa ou não. Se estiver chata, será coerente com o título…
Enquanto termino a crônica na mesa da sala, olho para a sacada e admiro minha esposa, escrevendo e planejando a nossa semana, com a organização, capricho e competência de sempre. Como é bom ter ao lado alguém que a gente ama, torna a vida mais saborosa e faz até as histórias das pessoas chatas ficarem mais leves e até, talvez, engraçadas. Ao lado da Maria Pereira Gontow, celebro o Dia Internacional da Mulher todos os dias do ano.
Todos os textos de Airton Gontow estão AQUI.
Foto da Capa: