Quem acolhe, integra e desenvolve?
A falta de representatividade de profissionais negros começa na porta de entrada das empresas, faltam negros no setor de Gestão de Pessoas, a área que é a responsável por realizar o recrutamento, a seleção, o acolhimento, a integração e o desenvolvimento do time.
Tive esse insight outro dia, ao assistir uma entrevista que o Denzel Washington deu para uma emissora de televisão, na qual a jornalista questionava por que ele defendia que o filme “Um Limite Entre Nós” deveria realmente ter sido dirigido por uma pessoa negra e por que não poderia ser dirigido por um diretor branco? E o brilhante Denzel Washington, respondeu: – Não é sobre cor, é sobre cultura.
Para os empresários ou líderes mais maduros e responsáveis, que estão conscientes de que a diversidade é de fato um ganho para a empresa – e uma responsabilidade social -, é importante começar “olhando” para esse time. Um gestor de RH ou um recrutador negro, oriundo do subúrbio, vai agregar mais do que a própria cor ao time. Ele vai trazer um valor cultural imensurável, além das vivências, imagine a capacidade transformadora que ele carrega, o que superou para chegar até aqui. Sim, ele certamente precisou ser muito resiliente para ocupar esse espaço, porque apesar de ser desconfortável ouvir isso, o racismo existe sempre, todos os dias, em todos os lugares. É sempre difícil para um negro superar e ocupar os espaços que também pertencem a ele, seja no mundo acadêmico, profissional ou social.
A faculdade não nos prepara para isso
Sou empresária, professora universitária e atuo na área de Recursos Humanos há mais de 25 anos. Até poucos anos, me sentia uma profissional em constante desenvolvimento, completa e ativa, acumulando graduações, pós-graduações, muitas experiências e vivências, e dentro do que aprendi, me considerava uma profissional justa, sempre realizando a seleção de profissionais com base no seu potencial e nas suas competências técnicas e comportamentais, nunca olhando para a sua raça. Parecia que estava no caminho certo, eu não deixava de contratar um profissional por questões estéticas. No entanto, “eu não olhar para a raça”, não era uma coisa boa, eu não promovia um recrutamento intencional, com recorte racial, eu não analisava a quantidade de negros que trabalhava nas empresas que eu prestava serviços, simplesmente, enviava os profissionais que atendiam aos requisitos da vaga e o trabalho estava concluído.
O que mudou e quando mudou? Alguns anos atrás fui convidada pela Odabá para um projeto onde realizaríamos, dentre outros, o recrutamento intencional e o letramento racial. Nesta ação, fomos preparados por meio das falas de algumas griôs, líderes desse grupo, e foi aí que identifiquei, em estado de choque, que eu nunca havia estudado formalmente sobre esses temas. O conteúdo era muito rico, intenso, cheio de verdade e de amor, provocava de forma sutil, uma reflexão antropológica e filosófica sobre a representatividade de profissionais negros dentro das organizações.
O desafio de mudança da cultura organizacional
Ao contrário, do que algumas empresas têm chamado de evolução, ao realizar o recrutamento e seleção de pessoal 100% online por meio de robôs, o recrutamento intencional oportuniza que você olhe de forma humanizada para o candidato, respeitando e valorizando a sua cultura, a sua trajetória de vida, os desafios enfrentados, e dando igualdade de condições para aqueles profissionais que estão em fase de vulnerabilidade social. A empresa mantém indicadores de diversidade e se preocupa em manter um equilíbrio entre esses números.
Alterar a cultura de uma empresa é muito difícil por toda a complexidade e grupo de valores que o seu time carrega, mas essa mutação é possível, quando realizada intencionalmente. Algumas empresas carregam uma cultura excludente, e, cabe lembrar que quem forma essa cultura são as pessoas.
Considerando a complexidade e o tempo necessário para a percepção das mudanças culturais de uma organização, se ela realmente tem a intenção de mudar, de se tornar uma empresa inteligente, a frente do seu tempo, o ideal é a implantação de políticas de inclusão e de letramento racial para todos os stakeholders. Não basta preparar e desenvolver somente os seus funcionários, para que a mudança ocorra. A empresa deve prestar atenção em seus prestadores de serviços, parceiros e fornecedores também, e comunicar sua intenção em tornar-se uma empresa mais valorosa com a abertura das portas para a diversidade, e é imprescindível abrir suas portas também para fornecedores, parceiros e prestadores de serviço negros.
Para os empresários e líderes que querem iniciar esse movimento nas suas empresas, os parabenizo, e adianto que é trabalhoso e complexo. Nessa caminhada, você vai investir em pessoas que estão na sua empresa há muito tempo, e que não vão aderir a essa filosofia, e você terá que fazer escolhas. O Que você ganha com isso? Resultados! Nós, negros, somos singulares, carregamos dentro de nós essa capacidade de criar condições favoráveis para nossa sobrevivência, somos criativos, inteligentes, resilientes, fortes, leais e bem-humorados, sim, sabemos comemorar os resultados e valorizar as oportunidades como ninguém.
Com essa mudança de mentalidade em sua empresa, você terá a certeza de que está fazendo a coisa certa, de que está construindo o seu legado, impactando positivamente na vida de outras pessoas. E mais: terá a certeza de que tem humanidade em você.
Iaraci Barbosa das Neves é especialista em Gestão de Pessoas e Gestão de Carreira. Empresária, Professora Universitária, faz parte da Diretoria De Identidade Empreendedora da Odabá (organização que fomenta e desenvolve o afro-empreendedorismo). Possui mais de 25 anos de experiência na área de Gestão de Pessoas, Gestão de Serviços e Docência. contato@iarabarbosa.com