Por muitas e muitas décadas crianças e adolescentes negros não se viam em livros de histórias. Quando estes personagens surgiam, eram personificados em estereótipos de servidores e trabalhadores, que desta forma constituíram o lugar do corpo negro no imaginário social e, por consequência, na vida real dos brasileiros.
“Bananada de banana, goiabada de marmelo… Sítio do Picapau Amarelo”, quem com mais de 30 anos ao ler estas palavras não se remete à infância, ao programa que por décadas “encantou” as crianças brasileiras? Pois então, eu demorei muito tempo para descobrir que o autor dessa literatura que originou o seriado na TV, era um dos fundadores da EUGENIA, uma seleção dos seres humanos com base em suas características hereditárias com objetivo de melhorar as gerações futuras. O termo foi popularizado por Francis Galton, em 1883, e a palavra eugenia deriva do grego e significa “bom em sua origem ou bem-nascido”.
Tio Barnabé, o “dócil negro” que fazia de tudo um pouco no sítio, foi construído como aquele que se parecia com um preto velho. Essa relação atravessa gerações e nos coloca a repetir inconscientemente os padrões sociais que o negro mais velho, ou o trabalhador deva ocupar. Sirva docilmente e amorosamente sem reclamar!
Tia Anastácia, aquela que cozinha, cria as receitas e dá vida à personagem boneca, a Emília, é outra construção emblemática: ela nunca seria a protagonista! Ela como autora e executora das melhores receitas, não é a dona das mesmas, pois o livro de receitas tem o nome de sua proprietária: Livros de receitas da Dona Benta.
Quantas gerações cresceram e se constituíram com estas informações? Por quantas dezenas de anos o negro ficou na invisibilidade não teve suas narrativas devidamente apresentadas?
Não nos quiseram como povo.
Não nos quiseram nos espaços escolares.
Não nos quiseram nos livros e nas narrativas.
Tentaram nos silenciar.
Silenciaram-se diante do racismo e em prol do seu pacto de branquitude.
O silêncio pode contribuir para a manutenção do racismo de diversas maneiras. Em primeiro lugar, quando as pessoas permanecem em silêncio diante de atos racistas ou discriminatórios, estão, de certa forma, consentindo com essas atitudes. Além disso, o silêncio pode perpetuar estereótipos e preconceitos, uma vez que não há um contraponto ou uma voz que desafie tais ideias.
Quando se trata de questões raciais, o silêncio também pode indicar uma falta de reconhecimento dos problemas enfrentados por comunidades racializadas, o que pode levar à falta de ação para combater o racismo estrutural. Portanto, é crucial falar sobre o racismo, ouvir as experiências daqueles que o vivenciam e trabalhar ativamente para promover a igualdade e a justiça.
Tivemos nos últimos 10 anos uma mudança no cenário literário brasileiro com a ascensão de muitos escritores e ilustradores negros. Isso tornou possível a constituição de si enquanto pessoas negras, a visão de um povo protagonistas e não vinculados ao lugar de subserviência e inferioridade.
A passos lentos vamos retomando espaços por séculos negados e que são nossos por direito. Devemos continuar na luta pela ocupação dos espaços e por alcançar às nossas crianças negras e não negras acervos literários, musicais, artísticos de um modo geral, para que possam assim beber das fontes que nos referenciam.
Deixo aqui alguns autores negros para inserirmos no nosso cotidiano:
Lázaro Ramos, Elisa Lucinda, Junião, Kiusam de Oliveira, Neusa Batista Pinto, Carmem Lúcia Campos, Edmilson de Almeida Pereira, Madu Costa, Bárbara Carine, Marcos Cajé, Emicida, Ana Fátima, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Oliveira Silveira, entre outros.
Boa leitura!!
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