Cansado dessa super cobertura da baderna em Brasília no dia 8 de janeiro? Tenha paciência. Aí vai mais uma dose que pode até virar sugestão de filme…Assisti, outro dia, ao filme Resistência, que conta a história da adesão do mímico judeu Marcel Marceau ao movimento francês de resistência ao nazismo na II Guerra Mundial e ajudou a salvar centenas de crianças judias da perseguição dos hitleristas.
Uma das legendas do filme pode, perfeitamente, ilustrar cenas da destruição das sedes dos Poderes naquele ridículo atentado do dia 8 de janeiro em Brasília. Tão ridículo, que chamar de tentativa de golpe me parece uma supervalorização da idiotice.
Vamos à legenda. Numa conversa sobre os riscos que os judeus corriam diante do avanço do nazismo, o pai de Marcel Marceau sai com esta: “Os populistas intoxicam os idiotas de raiva para esquecerem a vida miserável”.
Cabe, ou não, na imagem do homem esburacando a obra de Di Cavalcanti? É, ou não, perfeita para a cena de um tal Claudinho destruindo o relógio do Século XVIII? É, ou não, o retrato falado da vovó estelionatária/traficante ameaçando “pegar o Xandão”?
Agora, me diga (pretensiosamente, creio que tem alguém por aqui além de mim…): dá pra acreditar que aquelas pessoas, quebrando tudo o que viam pela frente e gritando disparates, eram motivadas por algum raciocínio ideológico? Acho difícil…
Os crimes cometidos em Brasília, na minha opinião, estão mais para intoxicação coletiva de ódio e desinformação do que para golpe político. E viraram tiros nos pés dos extremistas do populismo de direita (nos quatro pés de cada um deles…) que, mais intensamente nos últimos quatro anos, espalham a ira e a mentira numa burra tentativa de contaminar a sociedade com o vírus do atraso medieval em que eles, populistas retrógrados, insistem em viver.
Pesquisas recentes mostram 55% dos brasileiros dizendo que Lula fará um governo melhor que o de Bolsonaro. Índice maior do que o percentual de brasileiros que votaram em Lula, inferior a 50%. Perderam a eleição e exageraram na dose do discurso tóxico. A multidão virou manada. E o que alguns pensavam ser golpe, virou um quebra-quebra sem foco.
Abro parêntese; no último golpe sofrido pela democracia nacional, em 1964, a mídia inteira apoiou a derrubada de João Goulart. Banqueiros e grandes empresários não queriam nem ouvir falar nas reformas projetadas pelo governo. Os Estados Unidos apoiavam os militares brasileiros. Jango assumira o poder praticamente por uma concessão do Exército. Em 64, tinha Carlos Lacerda e o IPES, organização criada por grandes empresários para conspirar contra o governo. Fecho parêntese e volto.
Em 2023, Lula subiu a amparado em quase 60 milhões de votos. Quem apoia o golpe? Que grupo de comunicação importante é favorável a uma intervenção militar? Que grande empresário, ou entidade empresarial mostra a cara e pede que as Forças Armadas assumam o poder? Que governo estrangeiro nega o resultado da eleição no Brasil? Quem se apresenta como líder do movimento? Quem assumiria o poder? O Ramiro Caminhoneiro? (foto da capa) O coronel da Reserva preso no dia da baderna? Ah! Me poupem..
O capitão da reserva do Exército, em quem os extremistas da direita apostaram, se mostrou, desde que assumiu a Presidência da República, inapto para a função.
E, inepto, o capitão não entendeu a importância da vitória na eleição de 2018, nem, muito menos, o significado dos quase 58 milhões de votos que teve em 2022. Por uma birra infantil, abandonou o cargo mais importante do país e se foi para a vizinhança da Disneylândia, onde pode seguir brincando de líder…
Golpe? Não. Foi só uma grave, mas passageira, intoxicação de ódio e mentira. Essa tal extrema direita – que sempre andou de carona na direita civilizada (e até na meia esquerda…) mal ganhou a vitrine, já está sendo empurrada de volta pra gaveta das quinquilharias. Golpe precisa de liderança e não se cria com mentiras.
*Fernando Guedes é jornalista e sócio da SHIS Comunicação (shiscomunicacao.com.br), analista político, especializado em marketing político, administração de crise, análise de cenários, construção de imagem e produção de conteúdo. Como jornalista, trabalhou nos principais veículos de comunicação. Foi secretário de Imprensa da Presidência da República, diretor na TV Câmara e da TV Justiça, além de ter assessorado diretamente vários ministros de Estado.